Para o António

Crónica

 

Retomo os artigos de opinião no Tauronews, após vários meses de ausência premeditada.

Como justificação, poderia evocar a falta de tempo, os vários projetos pessoais e coletivos ou as enormes alterações que a minha vida sofreu nos últimos meses, mas não é o caso. A ausência deve-se essencialmente à falta de vontade de escrever e expressar a dor e a desilusão que o “mundo dos toiros” me provocou com a perda de um dos meus meninos.

Este artigo bem podia ser dedicado ao Fernando, ou como o título sugere, ao António Manuel Cardoso, “Néné”, ou então ao seu filho, António José. Todos, pessoas que guardo onde só cabem algumas que passam pela nossa vida. Todos com uma paixão comum, os toiros.

Mas é precisamente a dor pela perda de pessoas queridas, de forma abrupta, inesperada e dolorosa, que me leva a escrever este artigo, precisamente dirigido ao meu filho, António, de 5 meses. Não que ele já saiba ler, mas porque quero deixar escrito o que um dia poderá ler.

A letra de um célebre fado diz “mais marradas dá a fome que um toiro tresmalhado”, eu diria que “mais marradas dá a estrada que um toiro tresmalhado”. Infelizmente conheço esta sina de perto, a juntar à recente tragédia, as perdas do meu padrinho “Nini” e do Ricardo Mota.

A morte é e será sempre, em qualquer circunstância, dolorosa. É também o que temos de mais certo na vida, por isso, quando nos bate à porta, temos de saber lidar com ela. Reagindo com a coragem que tão bem nos ensinam, numa verdadeira escola de Forcados e de Homens, levantar a cabeça e encarar novamente de frente o que está por diante.

Por isso António, agora para ti:

Mesmo correndo o risco de ser criticado, chamado inconsciente, bárbaro ou de tudo um pouco, digo-te, em consciência e com conhecimento do que escrevo, que a morte é o risco que correrás todos os dias que pisares uma arena. Mas, se um dia, for tua intenção enveredar pelo mundo dos forcados será um privilégio acompanhar-te e apoiar-te.

Sei que será doloroso, afinal de contas quero o melhor para ti, se possível que não corras riscos. Mas esse, o risco, mal posso controlar. Afinal de contas a vida é um risco por si só. Ele estará onde menos esperas. Darás conta que o encontrarás todos os dias quando saíres de casa, quando atravessares a rua ou pegares no carro e entrares na estrada.

É meu dever olhar por ti, garantir que encontrarás sempre as forças necessárias para ultrapassar os obstáculos.  Sei que, num grupo de forcados digno do seu nome, com valores de integridade, solidariedade e amizade, adquirirás virtudes que te tornarão forte e capaz para enfrentares as adversidades da vida.

O que te dará a festa dos toiros, na sua pureza e grandiosidade, dificilmente encontrarás na prática de outra arte. A evolução dos tempos e consequentemente do meio taurino, poderá colocar em causa a minha visão romântica, mas estou certo de que, se esse for o teu desejo, neste meio encontrarás muitos amigos dispostos a dar a vida por ti sem pretensão de receber mais nada em troca além do teu abraço, amizade e solidariedade.

Num grupo de forcados, vais encontrar quem contigo partilhe dor, tristeza, alegria e triunfos que, a teu lado, caminhará sem perguntar para onde vais, que despe para tu vestires, que contigo partilha o pão da vida e que apenas te pedirá igual comportamento em troca.

Se a vida é feita de momentos, este foi o meio que proporcionou ao teu pai momentos de sofrimento, de choro, de dor – em que temeu o pior – mas que fizeram dele um ser feliz e concretizado.

Muitos são os que exigem que os seus filhos ‘escolham’ determinadas carreiras por acharem ser o melhor caminho para eles. Atitude inadequada, pois o caminho próprio a cada um diz respeito.

A vida deve ser a realização de sonhos e projetos. Tu terás os teus e não os meus.

Por isso, tu escolhes o caminho. Eu caminharei ao teu lado!

Vasco

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