João Telles arrebatou, Morante encantou e Tomás Bastos a graça toureira

O público dos toiros são uma paleta de opiniões, na maioria das vezes absolutamente antagónicas, embora não deixem de se defender até ao ínfimo. Mas dessa paleta a palavra insípida não devia nunca existir. E ontem em Vila Franca houve uns quantos toiros meio insípidos. Os toiros insípidos também escondem a veracidade do perigo, que é o pior que pode acontecer a um toureiro que se coloca diante da insipidez… O que no meio taurino chamam de perigo surdo… Iam e vinham, daqui para lá, acometiam rapidamente nos cavalos e seguiam os enganos rubros da muleta numa viagem cansativa, à beira de um trote… Excepção feita ao quinto e aí surgiu o triunfo maior da tarde para os mais velhos.

Vila Franca sempre teve um tipo de público, muito especial, que se tem distinguido ao longo dos anos pela exigência aos toureiros e sobretudo ao toiro… Praça completamente esgotada segundo a empresa, grande ambiente e um público um tanto ou quanto desconcertante por vezes. Por exemplo nos dois primeiros toiros um zumbido de murmúrio abafado produzido por milhares de conversas embaralhadas e de vez em quando um grito monótono pontual de desagrado ou de agrado. Por vezes pareceu-me que se esperava com ânsias a saída do terceiro da tarde, querendo que os dois primeiros toiros quase não existissem… Parecendo que não, os toureiros também sentem isso e naquele momento também eles foram contagiados por essa letargia…E assim a tarde ia-se tornando larga e espessa. Se a isto for acrescentado uma apresentação terciada dos toiros de cavalo, pior…Mas nem os apitos sonoros se fizeram ouvir com força na Palha Blanco. Saiu o terceiro, um animal terciado e aí sim houve algum desagrado mais sonoro, prontamente abafado pelos olés que se seguiram pelas verónicas de Morante e a aparatosa voltereta sofrida. Parece que se assentaram as coisas e a corrida decorreu com mais “normalidade” e aí vieram os momentos da tarde.

Foram lidados seis toiros e um novilho de três ganadarias distintas. Para a lide a cavalo de Alves Inácio terciados de tipo. Quanto ao comportamento, como já escrevi, o melhor foi o quinto. Os outros tiveram mobilidade mas uma grande falta de entrega, esperando por vezes no momento das sortes. O dito quinto foi o contrário de tudo isso, teve entrega, recorrido e metia a cara nos capotes de maravilha, ai se sai em terceiro ou sexto lugar… Para a lide a pé vieram dois toiros de Garcia Jimenez, com caras muito reduzidas e feios de tipo, o primeiro ainda rompeu alguma coisa na muleta, o segundo mais que passar topava e mirava o toureiro… Foi lidado um bonito novilho em sétimo lugar de Calejo Pires, por vezes o génio foi uma condição mas teve mobilidade e durabilidade e a cara andou a meia altura.

Manuel Ribeiro Telles que substituía João Salgueiro, não teve a sua tarde na Palha Blanco. O Manuel é um toureiro de inspiração e ontem a dita andou um tanto ou quanto alheada da sua mente. No que abriu praça houve momentos de destaque, bom o segundo comprido, toureiro o remate do segundo curto e de melhor nota terceiro e quarto, este último precedido de uma bonita preparação e um remate da sorte a condizer com o toureiro que é. No quarto da tarde não houve o entendimento entre toiro e toureiro para a lide romper… Abriu com uma sorte à tira, um segundo curto de boa nota, algumas passagens em falso antes de cravar um bom ferro a fechar a sua passagem por esta praça. Não houve música, nem foi concedida volta ao cavaleiro.

Não correram bem as coisas a João Ribeiro Telles no segundo da tarde… Recebeu bem e bonito o toiro na porta dos curros, cravou um bom comprido mas nisto do toureio a cavalo tem que haver uma conjunção de toiro, cavalo e toureiro e isso não aconteceu nesta lide. O primeiro curto ainda teve boa nota mas depois um toque, um ferro aliviado mais outro que não chegou às bancadas fizeram que a música não fosse tocada e o João não desse volta à arena.
No quinto a história foi outra, recebeu o toiro de forma templada e bonita, dois bons compridos, rematados a preceito, lidando de forma toureira. Nos curtos o toiro obedecia com nobreza e João na primeira fase da lide imprimiu temple, toureio caro, cravando grandes ferros, rematando em curto, recriando-se com gosto. Depois com o cavalo Ilusionista as palmas fizeram fumo e público parecia que tinha molas nos assentos. Três ferros que puseram literalmente de pé a Palha Blanco, tal foi a emoção vivida, para mim o primeiro foi o melhor, possivelmente um dos melhores nesta sorte que o cavaleiro da Torrinha executa com soberba destreza que lhe vi… Volta aclamada com chamada aos médios.

Para as pegas o Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca, nesta tarde de Colete Encarnado. Abriu a corrida o cabo Vasco Pereira, numa boa pega ao primeiro intento. Lucas Gonçalves, na primeira tentativa a reunião não foi perfeita, na segunda devia ter recuado mais um par de passos, com raça resolveu à terceira tentativa. Guilherme Dotti numa grande pega à primeira tentativa. Fechou a actuação dos forcados Rafael Plácido, bonito a citar, bem a recuar e receber entrou bem o grupo e a pega resultou em cheio. Diogo Duarte soberbo a dar primeiras ajudas, também João Maria Santos esteve superior, Rafael Leonardo a rabejar será certamente um caso.

Morante de la Puebla voltava a Vila Franca e a expectativa era enorme! Sentia-se devoção… Morante é um artista ou um lidador, valente ou técnico, inspirado ou de largo repertório? A resposta é fácil: Morante é tudo isso e foi tudo isso nesta tarde. Os toiros não ajudaram mas mesmo assim viu-se tudo o dito anteriormente. Recebeu o toiro vindo dos campos de Salamanca com um par de verónicas soberbas, veio a seguir uma feia voltereta o toiro foi literalmente aos peitos… O pior foi temido… Restabelecido, garbosas foram as chiquelinas e a larga de remate. O toiro parecia meio insípido… e tudo era uma carta fechada mas com a muleta estimulou-lhe o galope e deu-lhe confiança com uns ajudados por alto muito toureiros. O toiro ganhou em espírito, mas não em qualidade e Morante deu-lhe uma lide de “cabo a rabo” a média altura. Mando e pulso em redondo e ao natural. Tão exata de colocação, tão calibrada de temple que até parecia que o génio de La Puebla lhe tinha curado umas quantas deficiências de qualidade. Uma série em redondo pela direita foi soberba, rematada com um glorioso passe de peito. Faena baseada de seguida por uma técnica prodigiosa, com uma arte insuportável, séries de muletazos rematadas com adornos surpreendentes, marca de La Puebla.
Com sexto não houve luzimento com o capote, o toiro saiu a medir e sempre assim andou, Morante tentou e voltou a tentar meter um toiro que ficava curto e rematava por cima. Não houve o triunfo pretendido e ansiado, houve mando, muita técnica e vontade de agradar.

Para nossa sorte, a tauromaquia teve e têm momentos doces, por vezes aparecem meninos que dão um ar espiritual a esta misteriosa arte de lidar com um animal que foi criado para atacar, que nos seus genes carrega casta, bravura, nobreza, ou mansidão, ou génio. O Tomás Bastos é um caso neste momento e poderá dar muito que falar futuramente… Vila Franca foi testemunha disso! O sangue toureiro corre-lhe nas veias, este menino tem suscitado grande curiosidade entre os aficionados pelo sucesso que obteve em quase todas as praças que tem pisado. Possuidor de uma técnica incomum nesta idade, com uma cabeça privilegiada que o faz parecer uma figura frente aos oponentes que enfrenta. Bordou o toureio de capote por verónicas, rematadas com uma meia de cartaz de toiros, no quite intercalou chiquelinas e gaoneras, público de pé! Olé! .Em Bandarilhas armou taco e mostrou raça mesmo depois de volteado, quando quis cravar o terceiro par, recomposto quadrou na cara do novilho e saindo apoiado do par. Novamente a praça rendida e de pé. Com a muleta enquanto o novilho foi largo e não rebrincava as investidas correu a mão em redondo, rematando as séries com passes de peito de píton a rabo, levantou num par de ocasiões a praça. Ao natural perdendo alguns passos entre passe e passe levou as investidas de bonitas maneiras. Quando o novilho perdeu as inércias e começou a pontear mais os enganos veio o valor de lhe ficar no sítio e embarcar de um em um os passes. Vila Franca estava literalmente rendida ao Tomás. Faena bonita deste menino que pode vir a ser muita gente nisto dos toiros.

Fez a prova de bandarilheiro Sérgio Nunes, bem de capote e soberbo em bandarilhas saudou montera em mão no sexto da tarde.

Dirigiu a corrida Lara de Oliveira, sendo o médico veterinário Jorge Moreira da Silva.

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