Crónica | António Sete Letras de Verdade

Durante a viagem para Lisboa com destino ao Campo Pequeno, a meio da tarde de ontem dia 14 de Julho do ano 23, magicava no que pensariam António Ribeiro Telles, pai mas em especial o filho naquela hora… Quando já nos curros do Campo Pequeno os seis toiros com o ferro de David Ribeiro Telles esperavam pela hora de lhe ser ditada a sua sorte no sorteio. Ia sem pressa e com tempo, imaginando o que poderia passar pela cabeça de um jovem toureiro com vinte e duas primaveras recém cumpridas… que passadas umas horas se iria tornar o sexto cavaleiro de alternativa da família RibeiroTelles. Possivelmente estaria fechado num quarto de hotel àquela hora… olhando para a emblemática casaca azul bordada a prata que já tinha sido envergada em dia de doutoramento por seu avô, tio, pai, e dois primos. Possivelmente sonharia com a sua lide, com o seu toiro, pensaria no brinde, nos cavalos, com a sua noite, na responsabilidade da corrida numa praça até às bandeiras de público. Talvez no medo que também poderia andar por algum dos cantos daquele quarto… Possivelmente estaria envolto numa nuvem de fumo de algum cigarro para acalmar os nervos… Se calhar até podia dormir uma bela sesta e sonhar com o triunfo que gostaria de alcançar nessa noite, suposições minha…

Tudo o que envolvia Monumental de Lisboa nessa tarde e tarde noite cheirava a toiros e a grande acontecimento! Um mar de aficionados de todos os recantos do país iam chegando para presenciar a reabertura desta grande Temporada de toiros Lisboeta e ver a Alternativa do António. Um letreiro gigante anunciava Esgotado! Restaurantes cheios, arranjar lugar para estacionar um carro era o mesmo que procurar uma agulha num palheiro… Por ali havia amizade, boa disposição, esperança, muita esperança e alguma ansiedade em ver o que se ia passar na arena por volta das dez da noite.

A  Praça de Toiros do Campo Pequeno, completamente esgotada, engalanou-se de beleza, emoção, alegria e a saudade também por lá andava certamente…  Romperam as cortesias e uma expressividade fascinante de união e família inundou aquela arena… Os cinco Ribeiro Telles fizeram ranger os alicerces da estrutura daquela que é considerada a Catedral do Toureio a Cavalo! Os cinco “culpados” do abençoado cataclismo foram António Ribeiro Telles pai e filho, Manuel,João e Tristão Ribeiro Telles. Cinco toureiros numa só peça! Cinco exemplares da espécie humana que nos fariam sonhar o toureio. Quem esteve presente ontem na Praça de Toiros do Campo Pequeno in situ,  no seu lugar certamente guardará na memória uma noite histórica. Reunir no mesmo palco cinco toureiros da mesma família era histórico, é história viva do toureio, no dia de alternativa de António de Jesus de Sousa Falcão Ribeiro Telles.

Findas as cortesias entrou António Ribeiro Telles pai na arena, acompanhado pelos restantes cavaleiros para pedir ao director de corrida se podia conceder a alternativa a seu filho. O novo António notava-se um tanto ou quanto nervoso, as glândulas salivares trabalhavam certamente a mil por hora, pela sua cabeça passariam mil e uma coisas mas aquele que viria a ser o sexto cavaleiro de alternativa da Torrinha apresentava o porte altivo e senhorial. O pai emocionado entregou-lhe o primeiro ferro e disse-lhe algumas palavras que certamente seriam bonitas, sinceras, cheias daquela humildade boa e espontânea que o caracterizam. Por parte do público houve uma exibição exultante de júbilo ,de admiração e deleite por termos tido a sorte de fazer parte daquele acto solene. Seguiram-se os primos testemunhas de tão nobre acontecimento que lhe deram um abraço e desejaram Sorte. Novamente uma ovação emocional e espontânea de entusiasmo coletivo se seguiu. Estava a ser escrita mais uma página da história do toureio na Praça de Toiros do Campo Pequeno, na nossa amada capital Lisboa.

Seis toiros de David Ribeiro Telles saíram pela “porta dos sustos”, animais de bela estampa, bonitos de cara, rematados de carnes, variados de capa. Primeiro e quinto castanho e o sexto um sério burraco cinquenho. Bom o primeiro, bravo o sobrero que fez quinto. Os restantes foram toiros com clasee e mobilidade a menos… acabando por cumprir…

António Ribeiro Telles, filho, os  tem o toureio metido na cabeça e no coração! Brindou o seu toiro a sua mãe e irmã. O António na lide da sua alternativa foi o valor, a atitude consciente e formal do risco para enfrentar aquele momento com absoluta lucidez. Durante a sua lide houve toureio claro e franco, harmonia. Houve uma forma muito pessoal de compreender o toiro e devolver e expressar a arte que lhe corre nas veias. O seu toureio é dotado de uma força expressiva inusitada, existe ali a beleza do imperfeito! Houve naquela arena um toiro que gerou as emoções dos bravos e um toureiro que soube transmiti-las às bancadas. Naquela lide houve a impetuosidade irracional do toiro e inteligência racional serena do cavaleiro, contrastando entre si… Um toureiro inteiro, um artista imenso. em última análise, existiram naquela arena os elementos que concorrem para o florescer de uma obra de arte: A Arte do bem tourear a cavalo.

Cada sorte foi a poesia que o António imortalizou em cada ferro.

Parabéns António!

Sabe António, tenho gravado num canto da minha mente, aquela noite irrepetível de 21 de Julho de 1983… Ontem mais um canto foi preenchido por esta noite fantástica! Deixe-me dar-lhe os parabéns por tudo que tem feito no mundo dos toiros e pela alternativa do seu filho António.

O toureio é Arte; e Arte, com letras maiúsculas, e o António foi, é e será Arte! O António é um dos pilares e dos valores máximos na história do toureio a cavalo. Possui além da arte que lhe corre nas veias, um segredo bem guardado no seu toureio, a verdade! Essa simbiose faz de si um cavaleiro único, um Mestre nisso de tourear toiros bravos. Somos privilegiados de poder desfrutar ao vê-lo tourear. Que sorte temos!

As suas lides são verdadeiros cursos de toureio, baseados  numa sucessão de movimentos rítmicos, todos eles com o denominador comum de conjugação do verbo lidar, em todas as suas conjugações e tempos. A sua lide de ontem foi tudo isso… Sem o menor esforço, sem um pingo de brusquidão, fazendo desta arte uma conjugação de modos e tempos, de carícias enquadradas, que pareciam usar o pretérito mais que perfeito do verbo. Houve toureio a prazer, para prazer de todos nós público, que o aplaudiu com clamor.

A inspiração, a plasticidade, a elegância suprema, a “difícil facilidade” são o Manuel nas grandes tarde e noites! O seu toureio não é feito de régua e esquadro, quando todos os Deuses se põem de acordo a sua maneira de tourear deslumbra-nos. Existe no seu modo de interpretar o toureio a memória da feliz simbiose, do majestoso e do imemorial.

O Manuel foi nesta sua lide o anfitrião de um sentimento artístico e o valor consciente de uma graça pura. Foi os cabos que sustentam os toureiros livres, foi tanto o seu avô David, houve ali o génio do artista que é! Ontem um daqueles dias!

O João foi clarividente, autoritário, improvisador, surpreendente, explosivo. É a expressão vital e artística de uma forma de estar, de querer ser o maior e o melhor, é a ambição dentro de praça, a sua própria “vida de toureiro” está sempre em jogo na mesa da arena. O seu toureio é uma atitude consciente e formal de risco para enfrentar o toiro que tem por diante com absoluta lucidez. Chega ao público como nenhum! Os gestos tão marcados do seu pai e aqueles ferros impossíveis no Ilusionista são a gasolina que deita nas brasas da paixão “disto dos toiros”, são muitas vezes os momentos que quebram a monotonia, aquecem e marcam o ambiente de tantas corridas, desempatando a seu favor muitas vezes os triunfos.

O mais novo dos cavaleiros da Torrinha é o Tristão foi a irreverência da juventude, uma lufada de ar fresco, de variedade constante, de surpresa permanente e, sobretudo, de enorme valor, com a ambição de alcançar o triunfo de quem tem a “erva ainda na boca”. Este é um toureiro que faz tão bem à Festa, tem um elevado sentido estético, profundidade, temperamento e domínio da situação. O Tristão é, evidentemente, uma mais valia para o futuro a ter em conta. A par do seu primo António são a ilusão do futuro e certamente que será o próximo a vestir a casaca histórica azul bordada a prata, para se tornar o sétimo cavaleiro de alternativa desta dinastia toureira. E ontem protagonizou um daqueles momentos que jamais iremos esquecer… Foi um triunfo daqueles!

O sexto toiro foi lidado à moda da Torrinha, houve toureio a prazer e triunfo redondo na arena. Uma multidão entusiasmada viu e rejubilou. Lide onde o improviso foi constante, momentos assim são quando as coisas têm caráter de acontecimento. Nunca esqueceremos o visto! .

Dois Grupos de Forcados Santarém e Vila Franca foram convidados a pegar esta corrida histórica e fizeram parte desta Festa de Alternativa do António Ribeiro Telles. São estes heróis e símbolos maiores da alma portuguesa  que nos continuam a dar momentos inesquecíveis por essas arenas de Deus traduzindo a história deste povo, levando grande emoção às bancadas.

Foram caras pelo grupo de Santarém Francisco Graciosa à segunda tentativa. Joaquim Grave também à segunda tentativa. Fecharam a actuação João Manoel e Miguel Tavares em sorte de cernelha.

Por Vila Franca abriu o cabo Vasco Pereira à primeira tentativa, numa pega perfeita.  Rafael Placido à terceira tentativa. Fechou a noite com um hino à valentia, arranjo e vontade Guilherme Dotti, na pega da noite. Diogo Duarte e Rodrigo Dotti estiveram soberbos a ajudar.

Comecei este escrito perguntando-me o que pesaria a meio da tarde o António… Acabo perguntando o que passaria pela cabeça da Catarina? Mulher, tia dos toureiros, mas ontem em especial Mãe! Sendo testemunha de tão histórico acontecimento, vendo o seu filho “jogar a vida” em frente de um toiro,  diante milhares de olhos…  Deve ser algo tão amargo, quanto doce; Tão tenso quanto emocionante; Tão contraditório quanto belo. Mas no fim gratificante pelo seu menino ter concretizado o sonho, ser cavaleiro de alternativa.

Lá nos céus com certeza que também houve festa, emoções e abraços… Cálculo o sorriso e o abraço apertado de felicidade de Mestre David e Bacatum…

No fim todos foram aplaudidos  e idulatradoa…  Emoção à flor da pele e a sensação de ter presenciado uma noite de toiros extraordinária …Jamais esquecerei. Obrigado!

Cá fora fazia muitos anos que os arredores do Campo Pequeno, não havia um borbulhar tão grande de aficionados, relembrando o que aconteceu minutos antes na Praça de Toiros do Campo Pequeno. Encontros espontâneos que só acontecem nas corridas que se vestem dentro e fora da arena de acontecimento maior.

Esta corrida será uma referência, um ponto de viragem e terá que ser uma reflexão para os próximos tempos, sobretudo para nós que tivemos a sorte de os desfrutar ao vivo, de sentir a embriaguez da emoção com uma intensidade avassaladora nesta noite de toiros.

Dirigiu a corrida Tiago Tavares, sendo médico veterinário Jorge Moreira da Silva.

Foram bandarilheiros nesta noite:

Ernesto Manuel
Curro
Nuno Oliveira
Paulo Sérgio
Duarte Alegrete
António Telles Bastos
João Oliveira
Pedro Noronha
Miguel Batista
Fernando fetal
Francisco honrado

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