Ventura “enorme” na homenagem a José Pereira Palha

A Centenária Palha Blanco abriu portas pela última vez nesta temporada 2017 pelas 15 horas e 30 minutos de sábado 21 de Outubro numa tarde que esteve ensolarada com algum vento e temperatura amena, para proporcionar um Festival de justíssima homenagem ao grande aficionado, cavaleiro, ganadeiro e ser humano de exceção, José Pereira Palha. Perante dois terços de casa preenchidos, um cartel bem delineado contou com as presenças dos cavaleiros João Moura, António Telles, Diego Ventura, Filipe Gonçalves, Duarte Pinto e Francisco Palha, os grupos de forcados amadores de Santarém e Vila Franca de Xira, capitaneados respetivamente por João Grave e Ricardo Castelo, que enfrentaram um curro de toiros da Casa Prudêncio.

A organização deste Festival partiu de um grupo de bons amigos de José Pereira Palha e a receita proveniente do mesmo, estava destinada a ser canalizada para a Associação Salvador. No início do espetáculo, foi guardado um respeitoso minuto de silêncio em memória das vítimas mortais dos incêndios que muito recentemente flagelaram este nosso país. A viúva, filhos e netos de José Pereira Palha foram, durante toda a corrida, alvo de sentidas dedicatórias por parte de todos os cavaleiros e grupos de forcados presentes neste Festival.

As lides equestres.

Abriu praça o cavaleiro João Moura perante um nobre Prudêncio de 480 Kg, rematado, de investida por vezes algo “pastelenta” derivado de alguma escassez de força e bastante colaborante na boa lide que João Moura conseguiu obter nesta sua atuação, onde esteve correto nos compridos e superior nos curtos com uma brega bem conseguida e com momentos de mestria, trazendo o toiro colado entre o estribo e a garupa. O Maestro de Monforte não se coibiu de entrar pelo toiro dentro em boas sortes com batida ao piton contrário numa fase em que o Prudêncio, derivado de algum cansaço, já se defendia por vezes em tábuas, ainda cravou um bom palmito nos médios e encerrou a atuação com brega artística na cara do oponente. João Moura deu merecidíssima volta no final desta sua boa lide.

António Telles esperou pelo toiro à porta dos curros e cedo se percebeu que este Prudêncio de 490 Kg não abundava de voluntariedade, era distraído, o início das investidas partia sempre de uma abordagem de andarilho, adiantava-se ao cavalo algumas vezes e rematava com reação de manso encastado após o castigo. O Maestro da Torrinha acabou por conseguir que o toiro viesse de menos a mais nesta lide enquadrada no seu inerente classicismo, numa brega com boa ligação, preparações bem cuidadas num tércio de curtos em sortes frontais e quase sempre bem conseguidas. No final, aplaudida volta para António Telles, acompanhado pelos netos de José Pereira Palha.

A atuação de Diego Ventura e o excelente terceiro Prudêncio da corrida foram inegavelmente dois dos grandes momentos deste Festival. Foi sem dúvida um privilégio para quem esteve nesta tarde na Palha Blanco assistir a esta extraordinária lide, com inesquecíveis momentos de arte e emoção. O Prudência anunciado com 485 Kg e bem composto saiu extraordinariamente nobre, sempre voluntarioso, atitude de bravo e foi um digno colaborante desta brilhante atuação de Ventura. Com tão boa matéria-prima, Diego deu um recital de toureio equestre onde utilizou 4 montadas de invejável qualidade, num vasto reportório de brega e sortes, a receber a investida ou a ir acima do toiro e a cravar por vezes em terrenos proibitivos. Culminou a atuação retirando a cabeçada à montada e cravando em “estado puro” um grande par de bandarilhas nos médios e com um alvoroço monumental nas bancadas, em ambiente completamente apoteótico. Se há lides perfeitas dentro de um estilo e conceito em que este cavaleiro se enquadra, esta atuação de Diego Ventura roçou, de que maneira, essa condição. No final desta grande lide, Diego Ventura deu duas aclamadas voltas à arena, sendo que na primeira, contou com a muito justa companhia do ganadeiro do curro proveniente da Herdade da Palhavã, João Santos Andrade.

Ao intervalo da corrida, na arena, os cabos dos grupos de forcados amadores de Santarém, João Grave, e de Vila Franca de Xira, Ricardo Castelo, fizeram questão de prestar uma singela homenagem a José Pereira Palha através da oferta de lembranças à família do homenageado, representada pelos seus três netos e pelo filho, José Palha, também ele, grande aficionado e antigo forcado do grupo de Vila Franca de Xira.

O cavaleiro Filipe Gonçalves abriu a segunda parte da corrida perante um toiro de 505 Kg, bem apresentado e ligeiramente montado mas que saiu distraído e a rasgos com alguma tendência para se quedar em tábuas, demonstrando também algum défice de força. Gonçalves esteve correto nos compridos mas não conseguiu a ambicionada consistência geral no decorrer de uma lide onde não conseguiu evitar alguma irregularidade na cravagem, com uma série de curtos em que deu sobretudo primazia a sortes frontais com batida ao piton contrário e onde as notas mais positivas resultaram de um bom quinto curto e do bem conseguido par de bandarilhas com que encerrou a sua lide. No final, o cavaleiro deu volta.

O quinto toiro da corrida, anunciado com 510 Kg, era de melhor estampa que comportamento, transmitiu pouco e esteve quase sempre desinteressado da peleia perante um esforçado Duarte Pinto que tentou sem grande sucesso chamar a atenção necessária do oponente de modo a obter a lide pretendida. Após trocar de montada, conseguiu uma melhor ligação na brega e com bem cuidadas e complicadas tentativas de colocação do toiro, foi conseguindo algumas sortes frontais com mais valor que espetacularidade em virtude da fraca resposta do toiro aos castigos, numa lide, reitero, esforçada mas sem grande história por manifesta escassez de toiro. No final, Duarte Pinto foi premiado pelo seu labor com volta à arena.

Francisco Palha era o último cavaleiro a atuar neste festival e após entrar em praça, fez questão de se apear e de dedicar em plena arena uma emotiva dedicatória à viúva e filhos de José Pereira Palha assim como aos bombeiros presentes na praça, em representação dos bravos “soldados da paz” que tanto sofreram, país fora, nas recentemente e tristes ocorrências. Francisco teve pela frente o Prudêncio mais pequeno da corrida, apesar de bem rematado, com 445 Kg e sempre a tentar refugiar-se, buscando uma saída nas tábuas, escasso de força mas com o génio caraterístico de um verdadeiro mansote. A certa altura, o toiro “inventou” uma saída, saltando a trincheira e provocando algum pânico e apreensão, visto que uma pessoa acabou por ser colhida na teia, mas felizmente, sem traumatismos para lamentar. Perante tão fraca matéria-prima, Francisco Palha tentou com grande dose de risco sacar o que era possível do oponente, numa brega a entrar em terrenos proibitivos e sempre na tentativa de conseguir alguma investida de qualidade. Pese as dificuldades, fica na retina uma boa série de curtos com realce especial para o excelente quinto curto, conseguido num palmo de terreno em terrenos de compromisso, onde a garra, o querer e a técnica do cavaleiro permitiram momentos emotivos e bem conseguidos perante um toiro difícil e sem classe.

As pegas desta tarde.

O grupo de Santarém abriu praça nas pegas com David Inácio como forcado da cara. Na tentativa inicial, faltou alegrar um pouco mais a investida e não recebeu bem o toiro que tirou a cara no momento da reunião. Na segunda tentativa, já teve de ir mais acima do toiro, alegrou melhor mas acabou por faltar mais rapidez a fechar-se e saiu após se descompor na cara do toiro. Na terceira tentativa, com ajudas mais em curto e o toiro já um pouco fora de tábuas, o cara fechou-se na córnea e foi prontamente ajudado pelo grupo a consumar esta pega. No final, apesar de autorizado pela direção de corrida, David Inácio abdicou de dar volta.

Para pegar o terceiro toiro, o forcado da cara pelo grupo de Santarém foi Fernando Montoya. O cara esteve correto no cite, mandou bem quando pressentiu que o toiro queria investir, alegrou bem uma investida franca do toiro que mesmo a descair ligeiramente para a direita não criou motivo para o forcado perder a cara ao toiro, tendo reunido bem, fechou-se com grande convicção à córnea numa viagem grupo dentro, onde a coesão e prontidão dos ajudas ajudaram a culminar com sucesso uma bela pega. Volta no final para Fernando Montoya.

No quinto toiro da tarde, o grupo de Santarém contou com António Toureiro para pegar de caras. Sereno e com estética a citar, percebeu bem a vontade do toiro e mandou numa investida que veio de largo, reuniu bem e foi eficazmente ajudado pelo resto do grupo que foi coeso e apesar do toiro tentar tirar a cara, o grupo não o permitiu e consumou mais uma boa pega. António Toureiro deu volta no final.

Pelo grupo de Vila Franca, o forcado da cara escalado para pegar o segundo toiro da tarde foi Pedro Silva. Bem a citar onde o toiro mal o viu, encetou um chouto a “mirar” que o forcado aproveitou para se mostrar bem e carregar de seguida. O toiro respondeu bem ao mando tendo o cara recuado, reunido com perfeição e ficado bem trancado na córnea. A viagem veloz grupo dentro foi bem consumada, mercê da ajuda coesa do resto do grupo na zona das tábuas, numa pega de boa nota. No final, volta para Pedro Silva.

O grupo de Vila Franca teve como forcado da cara para o quarto toiro, Guilherme Dotti. Também aqui o toiro iniciou a investida a passo e sem convicção, pelo que o modo convicto como o forcado alegrou essa investida foi efeito fundamental para ajudar a uma maior prontidão, como pretendido. O cara recuou e mesmo consentindo ao limite, recebeu e fechou-se à córnea numa reunião forte onde a eficaz intervenção do primeiro ajuda Ivo Carvalho foi fundamental para evitar algum esboço do forcado ficar descomposto na cara do toiro e a coesa intervenção do resto do grupo finalizou mais uma boa pega nesta tarde. Guilherme Dotti deu volta no final. O grande amigo de José Pereira Palha, o grande Carlos Teles “Caló” fez questão de se fardar em sua homenagem e exibiu-se a superiormente no modo como rabejou este toiro e foi aplaudidíssimo na saída do toiro.

A encerrar a corrida, o forcado da cara pelo grupo de Vila Franca foi o muito jovem Diogo Conde. A juventude foi integralmente tapada pela maturidade e vontade de pegar o toiro demonstradas. Artístico no cite, decidido a mandar, só não atingiu a perfeição ao dobrar-se para receber o toiro mas colmatou com grande eficácia no modo como se sentou na córnea sem se descompor de pernas e nem mesmo uma difícil passagem pelo solo antes da entrada dos ajudas, descompostos pela alteração da trajetória do toiro para a esquerda do grupo e a recuperarem, foi suficiente para se sentir que o forcado perderia esta batalha. Por fim o grupo fechou esta pega que levantou a praça num enorme aplauso. No final, aplaudidíssima volta para o Diogo Conde.

A direção do espetáculo foi coerente no critério e não contou com situações relevantes por resolver, tendo estado a cargo de João Cantinho, assessorado pelo veterinário Dr. Ferrão Lourenço, apoio do cornetim Nuno Narciso e o espetáculo contou ainda com a brilhante presença da competentíssima Banda do Ateneu Artístico Vilafranquense.
Tratou-se de uma bonita homenagem prestada a José Pereira Palha, num Festival que resultou artisticamente muito bem, com momentos de emoção, grande empenho de cavaleiros e forcados, e também um curro homogéneo e bem apresentado que foi cumpridor no balanço final. O Zé merecerá sempre tudo de bom pelo grande amigo que sempre foi e ao longo das bancadas da sua Palha Blanco, os seus amigos que conseguiram comparecer, disseram “presente!” nesta grande jornada de saudade e sentimento.

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