Um forcado especial

Estas linhas que hoje aqui se seguem – e que me saem do coração – não tiram em nada o valor de dezenas de outros elementos de muitos grupos de forcados amadores. A este, que foi muito especial, quero dedicar esta minha crónica.

Sou mulher e, portanto, tenho (ainda que em algumas circunstâncias da vida um sentido prático e racional), neste particular dos touros, uma intensa emoção à flor da pele e um imenso aperto no coração ao ponto de não me saírem as palavras, mas antes imperar em mim toda uma mudez intranquila.

Ao André, porém, tenho a dizer todas as palavras do mundo, agora que despiu a jaqueta e que o aperto, em relação a ele, serenou.

São muitas e extremamente detalhadas as imagens que tenho do André. Praticamente desde que nasceu. Vi-o crescer, tornar-se rapaz, depois homem e, mais tarde, consolidar-se num lindo ser humano.

A imagem mais recente que tenho, porém, é a do André Pinto Tavares saudando-nos do centro da arena de Alcochete com a singular autenticidade, posta no rosto, que tanto o define. Foi o momento de dizer adeus, mas é também o momento em que todos precisamos de nos levantar e de nos curvar diante do André.

O André não é um homem qualquer! É um forcado amador na sua mais pura essência: aquele que dá tudo em troca de nada. E é justamente nesta senda, que considero que o que mais definiu o André, como forcado, foi a ENTREGA. Aquela entrega que é incondicional, aquela em que vale quase tudo, aquela que só alguns eleitos têm. Aquela entrega que é rara e que só existe quando a vida dos outros é tão válida – ou mais – do que a nossa. Esta foi a entrega do André durante todos os anos em que vestiu uma jaqueta, saltou para a arena e se focou exclusivamente no companheiro que, passos à frente, tentava pegar um touro. Aquela entrega – e isto custa dizer – em que víamos nos olhos, no rosto, na expressão do André “estou aqui, irmãos, para e por vocês, para a vida e para a morte”.

Quantas pegas fez o André? Tantas! Quantas vezes foi o André que manteve o cara na barbela. Quantas vezes foi o André que agarrou o companheiro antes do derrote. Quantas vezes foi o André a bater nas tábuas. Quantas vezes aguentou o André veementemente o companheiro à córnea. Tantas! Tantas pegas consumadas porque estava lá o André! Porque este grande forcado se entregava todo.

Nunca estive em nenhuma fardação e não conheço, por esta razão, o ambiente no “balneário”, enquanto se vestem e rezam, enquanto se concentram e se ajudam, enquanto se entreolham no silêncio e na seriedade daqueles momentos de tensão e de “peso”, mas tenho para mim que uma grande parte dessa vigorosa motivação e dessa firme exaltação, vividas na fardação, vinha da fibra e da alma do André!

Na vida, o que nos salta de imediato à vista é o seu sorriso inocente e aberto. É impossível não sermos cativados por aquele sorriso que se rasga num rosto de traços ingénuos e autênticos de um homem grande, em estatura e em carater. Depois, na conversa mais profunda, é um homem estruturado, de ideias e de opiniões consistentes. É um homem resolvido, consolidado, solícito e generoso. Todas as características que acabam por resultar num forcado completo, num exemplo a seguir, numa herança a ter como referência, num ensinamento a reter. O André é um legado deixado a todos os forcados portugueses.

André, estas linhas e outras que se escreveram e se escreverão sobre ti são sempre poucas para te honrar e para te agradecer a marca que deixaste nos forcados amadores e, em particular, no grupo dos Amadores de Alcochete.

Obrigada por todas as tardes e todas as noites de pegas. Obrigada por todas as vezes que o teu corpo e o teu espírito foram mais dos teus companheiros do que teus. Obrigada, André Pinto Tavares.

Foto cedida pelo GFA Alcochete

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