Resta-nos a nossa cultura… por enquanto

Crónica

Sim, há dor. Sim, há perigo. Sem artifícios. Natural, verdadeira. Muitas vezes se mata, mas não menos se morre.

Quem vai aos toiros não vai para se divertir. Vai sim para se emocionar.

É um espetáculo de verdade, que pode ser impiedoso, às vezes, mas é leal, sempre.

Será com certeza o espetáculo mais real que há na nossa sociedade? Provavelmente. Em que se conquista a glória, mas se joga a morte em cada instante.

O psicólogo Carl Rogers dizia que: “Quando realmente ouvimos uma pessoa, se estivermos dispostos a entendê-la, a ver a vida pelos seus olhos, corremos o risco de ser transformados. Podemos ser influenciados pelas suas atitudes e personalidades. Esse risco é uma das perspetivas mais assustadoras que a maioria de nós pode enfrentar. Daí que em geral não saibamos ouvir os outros. Em vez disso avaliamo-los, pois sabemos que ouvir é muito perigoso. O primeiro requisito é a coragem, e nem sempre a temos.”

Talvez seja por isso que tantos artistas: atores, músicos e outras estrelas da parafernália que domina as televisões se insurgem contra a tauromaquia: Não suportam ver tanta verdade junta quando sabem que a sua profissão assenta no ensaio, na personagem e no disfarce. Em que todos os atos são preparados e planeados durante semanas. Na festa dos toiros não se usa maquilhagem nem se ensaia. É o inesperado que conduz o espetáculo, e o imprevisto que lhe dá emoção. Até pode ser duro, mas é real.

É por isso também tão repudiado pelos censores do regime. As pessoas habituaram-se à mentira em que vivem. À fantasia de que a natureza é só paz e tranquilidade, qual Cesário Verde, ignorando a brutalidade em que assenta o jogo da vida. A vida é brutal, é impiedosa, é cruel. O jogo da vida é sempre ganho pela morte. Darwin diz-nos que evoluíamos eliminando os menos aptos, o que implica a sua morte. E essa é a base da vida. Nós vivemos, todos os seres vivos, para fugir à morte sabendo, no entanto que mais tarde ou mais cedo ela levará a melhor.

Ainda assim continuamos a lutar. É esta luta que traduz a mais genuína essência da Tauromaquia. “A vida só faz sentido porque termina”, e saber viver com isso é algo que poucos conseguem alcançar. É por se jogar a morte a todo o instante, sem redes de segurança, sem barreiras ou máscaras que a Tauromaquia é tão bela.

Quando o imprevisto deixar de o ser e a morte não constar nos dicionários morrerá a festa dos toiros. Nunca acabará por decreto, com manobras de um governo que desde a sua génese foi fraco cujo único cimento foi acabar com o progresso e a única função é distribuir favores pelas clientelas até o país estoirar novamente… Tudo para aprovar mais um orçamento que nos continua a atirar para a liga dos últimos, sem ambição nenhuma, que não cresce  economicamente desde que eu nasci. Um país que de ano para ano fica mais pobre, que está a um passo de ser o mais pobre da europa. Resta-nos a nossa cultura (por enquanto).

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