Melhor do que ficar em casa…

Cartel interessante o montado pela empresa “Tauroleve”, no passado dia 23 de Julho, na castiça praça da Figueira da Foz, merecendo mais do que o 1/3 de casa preenchida e marcado negativamente pelo fortíssimo vento que se fez sentir, prejudicando em muito as lides a pé.

Figuravam, no que à “Arte de Marialva” diz respeito, os nomes de Luís Rouxinol, uma das nossas indiscutíveis primeiras figuras, acompanhado do seu filho, recentemente doutorado no Campo Pequeno e que faz parte de um relevo geracional que se quer urgente e com pujança. Para as lides a cavalo (uma duo e duas individuais) estavam anunciados toiros da casa Prudêncio que, de forma geral, deixaram a desejar em termos de presença e comportamento. As pegas correram a cargo do Grupo de Forcados Amadores de Montemor e o toureio a pé esteve representado pelos Matadores portugueses António João Ferreira e Manuel Dias Gomes, que defrontaram toiros de Manuel da Veiga, com muito bonitas hechuras e cujo comportamento foi variável, a que não foi alheia a presença do forte vento que já mencionámos. Nota ainda para a alternativa de bandarilheiro protagonizada pelo jovem Sérgio Silva, a quem desejo as maiores felicidades.

A corrida apresentava-se como uma homenagem aos Maestros José Júlio, Mário Coelho e Ricardo Chibanga e iniciou-se com um emocionante e comovedor momento em que os três toureiros abriram as cortesias, recolhendo o merecidíssimo e longo aplauso do público presente, bem como diversos brindes dos intervenientes durante a tarde. Na Tauromaquia, Arte Maior, é essencial conhecer e enaltecer o passado para melhor compreender o presente e projectar o futuro… Glória a los toreros buenos!

Iniciou-se a função com a lide a duo, por parte de Rouxinol pai e filho, frente a um “Prudêncio” aleonado, escorrido de carnes e muito pobre de cara, que pareceu acusar algum pequeno defeito de locomoção e que foi voluntarioso enquanto as escassas forças o permitiram, mas sem qualquer transmissão. Face a semelhante material a actuação decorreu em tom morno, sem emocionar e com o Rouxinol Jr. a sofrer alguns toques nas montadas, expondo quiçá em demasia para aquilo que eram as condições do oponente.

Pelo Grupo de Montemor saltou à praça o forcado Manuel Vacas de Carvalho, que consumou uma segunda tentativa plena de vontade, recebendo “de estaca”, mas com alma para aguentar os derrotes na viagem até ao fecho com eficácia dos companheiros. Na primeira tentativa alegrou pouco o toiro no cite e permitiu que este o “medisse” demasiado, entrando bruto e sem franqueza, inviabilizando a reunião.

Com bom critério, seguiu-se o primeiro exemplar para a lide apeada, permitindo um boa dinâmica e alternância no ritmo da corrida, um exemplar de Manuel Veiga, de 430 Kgs e de irrepreensível apresentação. Toiro que saiu bruto e a repor no capote de António João Ferreira, que ainda assim recebeu bem, procurando limar asperezas. Bonito momento de competição (sempre necessária e salutar) em quites entre os dois Matadores, com Manuel Dias Gomes a tourear por “tafalleras”, rematando com graça e “Tó-Jó” respondendo por gaoneras ajustadas. A faena de muleta decorreu em tom irregular, não sendo possível ignorar mais uma vez o forte vento presente, parecendo-nos esse o principal motivo que levou a que as séries de derechazos fossem bastante curtas e imediatamente rematadas por passes de peito, após câmbios da muleta pelas costas, o que levou a que o toiro acabasse por ser demasiado explorado num só piton ao início da faena. Em todo o caso, houve momentos verdadeiramente puros e com verdade. Fica a dúvida se, devido às condições climatéricas não teria sido mais aconselhável um toureio de muleta mais baixa em detrimento da meia altura…

Manuel Dias Gomes, na sua estreia no Coliseu Figueirense, recebeu o seu primeiro toiro, que acusou na balança 445 Kgs, por bonitos e templados “delantales”, com nova réplica nos quites por parte de “Tó-Jó”. O seu começo de muleta foi um dos bons momentos de toureio da tarde, aproveitando a inércia e a investida forte do toiro para lhe aplicar uma série de estatuários, excelente, por templada e relaxada. Acabou-se prontamente o “fole” do Veiga, o que, aliado ao maldito vento que se continuou a fazer sentir, pouco mais permitiu ao jovem matador do que demonstrar a sua entrega e disposição.

No quarto da tarde retomou-se a função a cavalo, saindo ao redondel um novo exemplar da ganaderia Prudêncio, que acusou 470 Kgs na balança, desagradável de trapio, alto e “zancudo”, mas com mais duração que o primeiro, o que permitiu a Luís Rouxinol uma lide no seu estilo mais vistoso e aguerrido, chegando com facilidade às bancadas.

Neste toiro atingiu o Grupo de Montemor a sua melhor performance, por intermédio de Manuel Ramalho, contando com uma grande primeira ajuda, que leu na perfeição a condição áspera do oponente e a sua entrada com a cara pelas nuvens, fruto precisamente da altura que tinha e do seu génio, tendo o Grupo consumado uma pega que, graças à qualidade do conjunto alentejano, acabou por parecer fácil, quando não o foi.

A encerrar o capítulo do toureio a cavalo, um “Prudêncio” que, apesar de aparentar problemas de visão, foi de longe o mais interessante no jogo dado, acudindo pronto e com alegria e carregando nas sortes. Face a tal material Rouxinol Jr. andou igualmente em plano alegre e laborioso, mas, a meu ver, excessivamente acelerado na preparação e consumação das sortes, quando teve adversário para um toureio mais pausado e de maior pureza.

Fechou a tarde pelo Grupo Montemorense o forcado Vasco Carolino, recebendo quase de estaca, mas fechando-se com decisão e viajando sem problemas de maior até aos companheiros, que novamente demonstraram eficácia, saber e coesão nas ajudas.

António João Ferreira viu como à saída do quinto exemplar o ar amainou um pouco pelo que, considerando a disposição demonstrada pelo diestro anteriormente, se adivinhava uma boa prestação. Tal acabou por não se verificar totalmente, face à investida rebrincada do toiro a qual nos pareceu não ter sido entendida na totalidade pelo Matador que, apesar de tudo, voltou a manifestar a seriedade e entrega sem limites com que afronta cada oportunidade que lhe dão, sendo de elementar justiça relembrar que bem escassas têm sido essas oportunidades nos anos que leva de exercício da sua difícil profissão. Na Figueira da Foz, o toureiro scalabitano, mas formado na vila-franquense Escola José Falcão, voltou a provar que podemos sempre contar com a sua forma pura, sincera e sem artifícios de interpretar a Arte de Montes.

Encerrou o festejo Manuel Dias Gomes, que trouxe igualmente da Escola de Toureio de Vila Franca, o principal ensinamento do pundonor e da honestidade face aos toiros e ao público, encetando uma lide esforçada e com alguns bons momentos (recordo dois excelentes naturais), que apenas acabou por perder num arrimon final, acompanhado de alguns desplantes que em nada acrescentaram a um labor onde suplantou com muita solvência e naturalidade um toiro difícil e de pouca qualidade nas investidas.

Passou-se assim uma agradável tarde no bem cuidado e bonito tauródromo da Figueira da Foz, a qual estou certo, teria sido bem melhor não fossem as condições climatéricas tão adversas. Por vezes, por cima e para além do resultado artístico, interessa sentir nos intervenientes a vontade e a humildade de tudo dar de si para corresponder às expectativas do público pagante e essa atitude sem dúvida que foi uma constante em todos os actuantes no festejo. Nota ainda para uma modalidade de cartel (a Corrida Mista) que urge relançar no apogeu que teve noutras épocas, aproveitando os tempos que parecem voltar a estar de feição para que tal aconteça. Ganha o público em diversidade de espectáculo, ganham os nossos Matadores nacionais, que bem merecem todas as oportunidades que lhes sejam dadas, ganham os ganaderos que continuam a orientar a sua selecção primariamente através da tenta a pé, de forma a observarem os reais frutos do seu trabalho, ganha a Festa, ganha a Tauromaquia. Não tendo sido uma jornada que fique para a História, recordo as palavras de um bom amigo, aficionado como os há poucos: “Foi bem melhor do que ficar em casa!” E não é sempre?

 

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