Greve a este texto

Crónica

Isto dos toiros não devia estar no papel. Eu mesmo, não devia estar em frente a este ecrã, coisa que faço com mais esforço do que agrado, porque assumi o compromisso insensato de escrever sobre algo de que gosto tanto. Isto dos toiros é feito da massa dos sentimentos, e isto da escrita não tem nada a ver com sentimentos. Os sentimentos são um turbilhão que, dentro de nós, tentamos a custo perceber. São as entranhas a falar-nos ao ouvido. E isto da escrita são pensamentos. É lógica, é teoria e até régua e esquadro. E é imaginação, que não tem nada a ver com sentimentos.


Isto dos toiros não merece esta tortura de se meter num papel à martelada, à força, como quem tenta fechar um porta-bagagens a caminho de Albufeira em Agosto. O papel obriga-nos a cada frase a optar entre uma prancha e uma tábua de passar a ferro para conseguir fechar a porta. E eu não quero ter escolher. Quero levar a prancha e a tábua e a bola de vólei, e os naturais e as sortes de gaiola e o tricórnio, a montera, e a pega de cernelha. Isto dos toiros não merece ser forçado nem cortado, nem deixado de parte à espera que que se acabe Agosto e que a vida volte ao normal.


Isto dos toiros é o coração a correr cavado pelo campo fora, com a cabeça entre as mãos. São aplausos de pé e gritos de medo. São dores no corpo de uma pega e dores no rabo da bancada. São quilómetros de estrada, é calor e moscas, é cheiro a cavalo e cerveja na mão. São noites a “falar de toiros, toiros, toiros, toiros, que até as gajas se vão embora do pé dum gajo”, são amigos para a vida e namoradas que choram. É “alma e sangue e vida em mim”. Isto dos toiros não merece obedecer às regras da sintaxe e pontuação. Nem ao sentido e lógica normal que todas as coisas devem ter. Isto são sentimentos. E os sentimentos não se contam empalando-os em palavras. Isto não merece a dura ditadura da gramática. E como não merece, não escrevo mais sobre toiros! Hoje não escrevo mais sobre toiros! Nunca mais escrevo sobre toiros!

Até que um dia me apeteça.

Ou talvez para o mês que vem.

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