Em São Manços: Rouxinol Jr. venceu e Joaquim Grave fez uma pega de época

Um mês tão taurino, tão longo e denso como o de Agosto, pode muito bem ser comparado às voltas de ciclismo de longa distância: a última etapa é definida pelo sprint. E São Manços é uma das últimas etapas deste mês tão intenso para a tauromaquia.

Esta Vila Alentejana protege a sua herança e reconhece, sem preconceitos hierarquizantes, as raízes culturais que têm. Não olha compaixão pelas tradições culturais, mas sim com um olhar capaz de estimular o desenvolvimento, que integre a singularidade cultural das diferentes comunidades e grupos sociais, tal como afirma Francis Wolff no seu livro em defesa da Festa “Assim, pois, não há que pedir para a corrida de toiros uma vaga indulgência, não há que defendê-la como um mal benigno, há que protegê-la como um bem precioso”. É isso que estas gentes fazem por estes últimos dias de Agosto sendo o seu lema História Cultura e Tradição! AQUI O TOIRO É REI !!! E é, tudo gira à sua volta.

São Manços foi evangelizador do território eborense, um homem rural e simples, resistente na fé, é uma referência muito viva para o cristão alentejano, que é chamado a testemunhar a sua fé, muitas vezes, numa circunstância de religiosidade popular cristã… um tanto ao quanto sui generis. Foi fundador da Catedral desta cidade de onde vos escrevo , Bispo de Évora, Santo Mártir de Évora, de certa forma, revela-se um forte contributo para a garantia de antiguidade cristã desta zona do Alentejo.

A Vila que leva o seu nome comemora este ano 100 anos deste estatuto, quis o seu povo que um dos pontos altos desta comemoração fosse uma procissão das velas pelas ruas da localidade terminando na Praça de Toiros José Jacinto Branco no seu dia grande das Festas, o último sábado de Agosto. O Senhor São Manços foi levado pelos heróis maiores destas gentes os forcados, os rapazes das jaquetas das ramagens são venerados por estas paragens e tem pelo seu grupo um orgulho impressionante. O cortejo entrou na arena com o Santo por diante aos ombros dos forcados dos dois grupos Santarém e São Manços, seguido dos cavaleiros Marcos Bastinhas, Luís Rouxinol Jr e António Ribeiro Telles filho. ao som dos acordes da Banda de Nossa Senhora de Machede. Foi um momento de recolhimento aos santos e virgens das suas devoções nas orações íntimas, preliminares as cortesias que dariam brilho a uma noite muito interessante de toiros, com momentos que ficarão guardados na memória de alguns dos intervenientes e de quem assistiu. Como por exemplo um par de pegas, uma em particular a de Joaquim Grave ao quinto da noite, um pegão de época e lides intensas a “toiros com barba”…

A Praça que tinha um aspecto magnífico, pintada de fresco, cuidada ao pormenor, com referências pintadas na trincheira às ganadarias, cavaleiros e grupos de forcados e o melhor cheia até as bandeiras, tudo foi feito com pompa, assim dá gosto! Parabéns!

O desafio ganadero de duas ganadarias de postin eram se dúvida um dos ingredientes principais desta noite de toiros, por estas paragens e como já referi anteriormente o Toiro é Rei e o que sai pela porta dos sustos não é para rapazes… Veiga Teixeira e Canas Vigouroux.

Os dos campos de Vila Franca saíram na primeira parte da corrida, toiros sérios, com cara de primeira, e de jogo desigual. O primeiro foi o mais complicado de toda a noite, reservado, media nos capotes onde ficava curto, nos cavalos onde se orientou prontamente e na pega onde foi difícil… Encastado e nobre foi o segundo, bom toiro. Meio rachado o terceiro mas com bom estilo e nobreza.

Os que viajaram do Pedrogão, bravo e a mais foi o primeiro. Grande como um comboio, o castanho quinto, toiro com mobilidade mesmo com os quilos que transportava sobre os costado, teve bom estilo e proporcionou o triunfo. O que fechou a noite foi o de pior condição desta casa ganadera, toiro um tanto ou quanto reservado, vindo a menos com decorrer da lide.

A arte de tourear a cavalo brilhou, com diferentes intensidades, três toureiros que não se decepcionaram perante as adversidades e as virtudes impostas pelos toiros, competindo entre si deixando na arena passagens de bom toureio.

Marcos Bastinhas que está a realizar o que na hipérbole da nova linguagem taurina se batizou como um “temporadão”. Realizou duas lides boas e distintas. A do seu primeiro, um toiro que ofereceu um sem fim de problemas, provando nos cites, amagando arrancadas na primeira fase da lide, incluso frenando as acometidas e buscando. Que fez Bastinhas? Pois aguentar firme até que o animal não teve mais remédio que claudicar na sua má índole… Foi a vitória do valor estoico a pulcritude de formas sobre a reticente brutalidade.

No quarto da noite um bravo, Bastinhas desenvolveu todo o seu repertório toureiro. Toiro de acometidas intensas, de largo recorrido. Ideal para “cuajarlo” a prazer. E foi o que aconteceu, correto nos compridos. Cravou um par de curtos de boa nota, onde houve bonitos ladeios nos remates e nas preparações dos ferros. Um violino, um palmo e seu par de bandarilhas, o público vibrou, aplaudiu e gostou do visto.

Luís Rouxinol Jr. na sua primeira lide, para mim a melhor da noite mas se calhar não a mais emotiva… mas onde houve os melhores momentos de toureio a cavalo. Aproveitou as qualidades do Canas, templando as acometidas, havendo ligação entre sorte e sorte com bons pormenores de brega, alcançou um elevado ponto emocional com ferros de grande nota, cravados a aguentar a acometida, havendo uma perfeita comunhão entre toiro e toureiro.

O quinto era um toiro para apostar, Rouxinol sacou raça de toureiro, mostrou-se sereno, para solventar as acometidas de um toiro enorme, e quando digo enorme era mesmo muito grande… O qual provocou um burburinho no público. Ocorre que às vezes estes toiros sacam o fundo mais abstruso do seu caráter, músculo e força para acometer e mover a tonelagem que transportam, porque têm armazenado dentro o mistério da bravura e da encastada nobreza. Rouxinol não se intimidou com o castanho… Nesta lide o factor emoção esteve presente de princípio a fim. A emoção de um toiro bravo, enorme e de um cavaleiro disposto e a por todas. Houve bons ferros compridos, boa lide, bonitos remates e curtos cravados com valentia.

O mais recente cavaleiro de alternativa António Ribeiro Telles fazia a sua apresentação por estas paragens e foi bom o seu debute. Duas actuações distintas diante de toiros de distinta condição. Desenganou o seu primeiro perante as relutâncias iniciais, desbastando as arestas com a lide que lhe receitou. Houve toureio a prazer ao melhor estilo da Torrinha e foi um prazer ver este jovem cavaleiro de alternativa. Cravou os compridos com destreza, toureando bem a cavalo, escolhendo os terrenos na perfeição. Nos curtos houve entradas frontais, ferros com ligeira batida, remates toureiros e um público entregue ao que se via na arena da José Jacinto Branco.

O sexto teve outras complicações e muita querença nos médios, António andou correcto nos compridos. Nos curtos teve que sovar e voltar a sovar o de Teixeira para o tentar tirar do sitio onde se sentia mais a gosto… Foi por isso laboriosa a lide executada, houve ferros de boa nota, caso do terceiro, entrando em terrenos de compromisso e cravando a favor da querença do de Teixeira. Lide esforçada e reconhecida pelo conclave.

A valentia dos homens, quando realmente o são, deve ser demonstrada em situações extremas, como a que ocorreu em São Manços. Os toiros não foram peras doces para os forcados do Grupo de Santarém e de São Manços. Noite de raça, valor, dureza e de triunfo absolutos para estes homens!

José Fialho filho da terra abriu a noite para os de Santarém e teve que “bailar com a mais feia”… O toiro era uma prenda… Brindou a seu avô e citou com galhardia e saber, mas o negro vinha bruto e num derrote demolidor toirou o cara. Nova tentativa valente mas novamente o toiro levou a melhor. Na terceira o Zé este soberbo, todos os anos de saber de forcado foram mostrados naquela tentativa. Citou com calma, perdeu os passos necessários mandando na investida do toiro, fechou-se e o grupo ajudou de forma coesa.

Francisco Paulos numa boa pega à primeira tentativa, o forcado esteve correcto a citar, receber com o grupo ajudar bem.

Joaquim Grave ao quinto da noite fez uma pega de época! O Teixeira na primeira tentativa varreu com um ou dois derrotes o grupo… Foi uma verdadeira locomotiva a entrar por ali dentro… Na segunda o Joaquim, ganhou-lhe distancia, citou em terrenos de muito compromisso, o toiro investiu para o comer, o forcado, conseguiu fechar-se na cara, “mil e um derrotes” suportou este Grave do Teixeira, o grupo conseguiu ajudar e uma explosão de emoções foi vivida naquela praça, um murmúrio do clamor, todos rendidos à valentia de um homem. Olé!

Pelos Amadores de São Manços o cabo João Fortunato abriu a noite para o grupo da terra com uma boa pega à primeira tentativa, uma pega que sem ser vistosa por aí além mostra muito saber, anos disto, tudo bem feito João.

Duarte Telles numa boa pega à primeira tentativa, bem a citar, receber e reunir, superior o grupo a ajudar.

Manuel Trindade, noutra das pegas da noite! Manuel é um forcado de mão cheia, esteve como sempre toureiro a citar, recebeu superiormente e o grupo novamente muito bem a ajudar.

Havia dois prémios em disputa: Melhor Lide a Cavalo (Francisco Pereira) e Melhor Pega (Joaquim Azeda). Os jurados destes dois prémios foram os senhores Manuel Murteira, Marco Lopes e German Mangas.

Prémio Melhor Lide: Luís Rouxinol ao quinto da noite.

Prémio Melhor Pega: Joaquim Grave ao quinto da noite.

Houve momentos de fado durante as voltas à arena, voz Duarte Gato, conjunto de violas e guitarras de João Nuncio.

Dirigiu a corrida Maria Florindo, sendo o médico veterinário Carlos Santana.

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