A Paixão é quanto basta…

A Tauromaquia enquanto Arte vive essencialmente, como todas as outras, da Paixão que é capaz de gerar… Paixão por parte dos seus intérpretes (e aqui incluímos os Ganaderos, na total acepção de verdadeiros artistas da bravura), por parte dos seus organizadores e, como não, por parte do seu público… Só um imenso amor e dedicação à “causa” por parte destes três elementos explica a sobrevivência e a permanência do fenómeno já ao longo de mais ou menos três séculos, contados a partir da regulamentação da Corrida nos moldes aproximados em que hoje a conhecemos.

E, se por vezes parece que nos esquecemos deste facto, há dias, festejos ou pequenos pormenores que, de forma absolutamente clara e definitiva, o vêm relembrar… Chamusca, 6 de Abril de 2019, um dia em que se exaltou sobretudo o Amor à Festa Brava,  levada aos ombros, em triunfo, pela Porta Grande, graças à entrega, ao crer e à paixão dos três elementos atrás referidos. Em primeiro lugar elogiemos e exaltemos os responsáveis pela organização do Festival que, contra águas e ventos e face a um “dilúvio” de cancelamento de festejos por essa Ibéria fora, se empenharam e lutaram até ao fim para a concretização de um cartel de sonho (antes demais, o seu sonho). Em segundo, grande destaque também para a afición que, preenchendo uns muito fortes ¾ de casa, voltou a provar não haver mau tempo que resista à apresentação de um cartel com interesse, argumento e que desperte, sobretudo, essa enorme vontade de ver e sonhar o Toureio… Por último, o agradecimento e admiração aos oito actuantes, eles próprios comprometidos desde princípio a fim para que o Festival seguisse em frente. Um grande Olé para todos eles!

E eu, que por vezes me diluo demasiado em lirismos e análises extensivas, confesso que o que vos queria mesmo dizer está essencialmente contido nos dois parágrafos acima. Porque, por vezes, a grandeza da Tauromaquia está muito menos numa colecção de lides e faenas triunfais de uma qualquer Corrida ou Festival, do que no seu ambiente e na entrega e emoção com que a abordam todos e cada um dos seus participantes. E foi isto, essencial e completamente que se passou na agora centenária e belíssima Praça da Chamusca. Mas a verdade é que, como se não bastasse, houve Toureio e do bom e por isso dele devemos falar.

António Ribeiro Telles, pai e filho, frente a um novilho da casa, de David Ribeiro Telles, brindaram-nos com uma lide de “solera” e sabor campestre, sóbria e clássica, enternecedora pela ligação entre a veterania de um, aconselhando em permanência a juventude do outro, num conjunto que resultou harmonioso e templado. De outra forma chegou (e muito) às bancadas a dupla composta por João Salgueiro e João Salgueiro da Costa, igualmente pai e filho, os quais tiveram uma actuação vibrante e emocionante a um altíssimo nível, com vários ferros de antologia, provando que a verdadeira Paixão também se desata pela execução do Toureio puro e sem concessões, aqui novamente potenciada pela beleza de ver o entendimento e a cumplicidade familiar. Espectacular! Colaborou e muito para a apoteose o exemplar de Rosa Rodrigues. E já agora, Maestro João Salgueiro, se não fôr pedir muito, parece que ainda há nas arenas bastante espaço para si… Não é demais destacar que o já referido perfeito entrosamento entre os cavaleiros é absolutamente necessário para que este tipo de lide resulte em pleno.

O primeiro exemplar da tarde foi pegado por Francisco Borges, envergando a jaqueta dos Amadores da terra, que esteve em plano assentado e toureiro, citando, recuando e recebendo com absoluta correcção, para concretizar com facilidade, bem ajudado pelo restante Grupo. Do lado do Aposento da Chamusca, Vasco Reis, pegou completamente “de estaca”, mas fechou-se com vontade o que, tratando-se de um novilho, foi suficiente para que não ocorressem demasiadas complicações na reunião, seguindo-se uma viagem que foi contando com a entrada correcta de todos os restantes companheiros.

Na parte apeada, a espaços bastante prejudicada pelo vento que se fez sentir, abriu Praça Francisco Rivera Ordoñez, voluntarioso frente a um novilho de Assunção Coimbra, que pareceu ter classe e investidas para uma faena mais ligada, compacta e templada. “Morante de la Puebla”, muitíssimo acarinhado e esperado pelo público (a Arte, sempre a Arte não se explica, sente-se) deixou detalhes da sua peculiar e incomensurável forma de entender a Tauromaquia, quer de capote, quer de muleta, impactando sobretudo por alguns recortes e lances pintureros, pouco mais podendo fazer frente a um bronco e difícil exemplar de Manuel Veiga. Manuel Jesus “El Cid” ressuscitou aquela mão esquerda, plena de profundidade, temple e empaque, que o elevou até aos altos patamares do Toureio, naquela que foi, sem dúvida, a grande faena da tarde. Actuação ao nível de um Maestro consagrado, que foi capaz de fazer frente à difícil torrente de casta do novilho de Calejo Pires, o qual brilhou também, mas muito o devendo à técnica, à entrega e à sabedoria de um notável “El Cid”. Para recordar! Encerrou o festejo o jovem bezerrista Vasco Veiga, que lidou um novilho da casa, deixando sobretudo constância das suas ganas e boas maneiras, aliadas à natural inexperiência, que nem sempre lhe permitiu “dar a volta” e entender o pupilo das Talasnas. Foi, em todo o caso, bastante apoiado por um público sensível e que, a essa hora da função, sabia já ser o participante e também um dos triunfadores de um festejo muito especial, que ficará certamente na memória de todos quantos tiveram a felicidade de o presenciar.

Tarde de detalhes, tarde de Toureio profundo, tarde de emoções e de carinho, em definitivo, tarde de Paixão, esse condimento essencial desta Festa que tanto amamos. E no fundo, se todos o soubermos, o sentirmos e em prol dela trabalharmos, é tudo quanto basta! O resto, são pormenores…

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