Palha a estética da emoção e da arte

Antigamente conhecida como Aldegallega ou Aldeia Galega do Ribatejo, a cidade do Montijo é rica em História e Cultura. Já foi Ribatejo, não chega a ser Estremadura e certamente não é Margem Sul, é singular por si própria, esta terra é heterogênea em gentes, costumes e culturas, onde a Festa do toiro é parte fundamental das suas vivências do antigo, presente e certamente será do futuro. No mês de Maio comumente acontece a “Festa da Flor” e como em qualquer festa por estas paragens o toiro e a Festa brava fazem parte do seu cardápio principal.

Ontem, 13 de Maio do ano 23, a empresa Tertúlia Óbvia apresentou um cartel com motivos suficientemente interessantes para as bancadas da Monumental Amadeu Augusto dos Santos estarem mais povoadas de público… Cerca de um terço de entrada. Motivos poderá haver alguns como a bola, Fátima finalmente sem medidas de confinamento, a malfadada crise que nos persegue há anos ou simplesmente as pessoas não apontaram agulhas para os toiros no dia de ontem. Acontece…

Para explicar este jogo de vida e morte que é a tauromaquia, as corridas de toiros são um espectáculo, em que todos têm um papel fundamental “Actores”: toiro e toureiro; “Laureados”: o público. “Os Actores” estiveram superiores: Pela porta dos sustos saiu um grande curro com o ferro de Veiga Teixeira, com quatro toiros de nota muito alta. Viu-se um Rouxinol a reafirmar o bom momento que atravessa nesta temporada, deu a volta ao primeiro e triunfou no quarto. Gilberto Filipe andou em plano superior nos dois do seu lote. E Palha andou redondo, triunfando com força! Nas pegas tarde séria, exigente e a fazer vibrar os presentes com boas sortes a pegar de caras por parte dos Amadores do Montijo e Amadores de Alcochete. Os “Laureados” saíram certamente com vontade de voltar a  viver um espectáculo assim. Quem não foi perdeu uma grande tarde toiros!

Para o espectáculo ser maior, o Toiro é e será o elemento principal de tudo isto: Bravura, Casta e Nobreza é o que se pede – uma sensação de risco permanente, mas que ao mesmo tempo possa possibilitar a arte da tauromaquia. Ontém da Herdade do Pedrogão, com o ferro de Veiga Teixeira, vieram uns quantos que cantaram e de que maneira estas virtudes! Díspares de peso e apresentação é verdade… Mais bonitos e em tipo os saídos em terceiro, quarto e quinto lugares, os que curiosamente deram menos peso na balança da praça, os outros mais bastotes e arrobados. Quanto ao comportamento o que abriu a tarde foi complicado, frio de saída, mediu muito durante toda a lide, faltou-lhe entrega e não rompeu. Grande e arrobado foi o segundo, que de alguma maneira acusou a sua condição morfológica, quis mais do que pode, teve nobreza mas veio a menos. Bonito de tipo foi o que fez terceiro, teve alegria a acometer ao cavalo e a investir nos capotes, teve casta, durabilidade, bravo! O quarto é o que se diz na gíria, um sapatinho, toiro baixo, composto de cara, deu por nome de “Ciganito” e foi um torrente de bravura! Galopou com alegria, acometeu com entrega ao cavalo, teve emoção, veio a mais crescendo ao castigo, em suma foi bravo. Justamente o seu amo, António Francisco da Veiga Teixeira, foi agraciado com uma merecida volta à arena. Uma estampa era o quinto castanho, muito sério! Pediu tudo bem feito, foi exigente, encastado mas quanto a mim faltou-lhe mais classe e entrega para ser redondo. Grande foi o sexto, outro bom toiro, “Grandioso” de nome! A nobreza foi a sua maior bandeira, galopou com bom tranco, teve ritmo, foi pronto e proporcionou o triunfo. João da Veiga Teixeira, filho do ganadero, foi também ele chamado à arena pelo desempenho deste bom toiro e certamente pelo conjunto da tarde.

Luís Rouxinol é um dos toureiros que atualmente pisa as arenas com mais firmeza. O de Pegões mostrou segurança, domínio, foi clarividente, autoritário, improvisador e surpreendente. Grande tarde! No primeiro teve que “bailar” com a mais feia ou seja teve que dar a volta a um toiro que de fácil não teve nada… Novamente viu-se um Luís a tapar defeitos, mexeu no toiro com inteligência, tentou-lhe abrir os caminhos com os três bons compridos que cravou. Nos curtos o toiro esperava e media no momento da sorte e novamente este cavaleiro mostrou como se lida um oponente com estas condições. Pisou-lhe os terrenos, cravou com decisão e sem espaventoso porque a coisa não estava para tal. Rematou as sortes com solvência, fechou a sua actuação com um bom ferro de palmo. No quarto saiu-lhe o número premiado… Agora foi ver o Luís a desfrutar e a dar a volta a um bravo, coisa também difícil, diria muito difícil porque tocar as cordas da guitarra de um toiro destas condições não é para todos. Bom o primeiro comprido, regular o segundo e de boa nota o terceiro. Nos curtos a lide tem que se dividir em duas partes, a primeira em que o toiro se arrancava com chispa ao cavalo e não era fácil aguentar a acometida e por isso um par de passagens em falso mas dois bons ferros, principalmente o primeiro que teve emoção e risco. Na segunda parte veio o compêndio Rouxinol e Douro que parece que se entendem melhor que nunca… Houve grandes momentos nisto do bem tourear a cavalo, levou o toiro embebido no cavalo, bregou, teve bonitos recortes, escolheu os terrenos na perfeição, cravou ferros de belo efeito e rematou as sortes com uma graça toureira, coisa que só acontece quando quem as faz está a gosto, e o de Pegões via-se a gosto diante do “Ciganito” e do seu público. Desfrutou e fez desfrutar… Rematou a lide com um grande par de bandarilhas e um palmo de belo efeito. Grande lide!

A arte da tauromáquica não tem lugar de nascimento, nem nomes, nem apelidos, nem mesmo formas certas, tem momentos! E ontem houve alguns por parte de Gilberto Filipe de grande nota. No primeiro do seu lote houve dois bons compridos a abrir a sua lide, cravados com precisão e emoção. Nos curtos bregou bem, levou o toiro embebido no cavalo, cravou dois curtos de boa nota primeiro e terceiro. Mudou de montada e tirou a cabeçada ao cavalo… O toiro já vindo a menos e a acusar o peso já não tinha a mesma disponibilidade. Gilberto cravou-lhe dois curtos entrando por dentro junto as tábuas com mérito. No quinto os dois compridos que cravou foram dos bons! Nos curtos houve um dos momentos da tarde… O terceiro curto é daqueles que não deixa ninguém indiferente. Citou de largo, o toiro acometeu com raça, cavalo e cavaleiro aguentaram e o ferro foi cravado com muita verdade e emoção. Olé! Rematou a lide com um violino e um palmo que agradaram os presentes. Boa passagem deste cavaleiro campeão por terras do Montijo!

Escrevi penso se não estou em erro em 2021 que Francisco Palha era o príncipe do toureio depois de uma noite de glória no Campo Pequeno. Eu e certamente muitos ansiavam que o príncipe voltasse a fazer das suas esta temporada do 23… Mas as coisas por uns motivos ou outros não tinham saído ainda redondas este ano… Mas ontem foi o dia Graças a Deus! Bem sei que os artistas têm dias e momentos e precisam de muita coisa para a coisa sair… Mas na Monumental Amadeu Augusto dos Santos saíram! Ontem viu-se um Palha a gosto, inspirado e criativo! No seu primeiro dois grandes compridos, levando depois o toiro, que acometia com raça, pegado ao cavalo. Nos curtos a lide teve momentos de toureio a cavalo fantásticos, ferros ao piton contrário de grande efeito, rematados em curto com emoção e inspiração. Lidou com sapiência, deixou o toiro colocado e aproveitou-lhe as virtudes. O público desfrutou e aplaudiu com força o visto. No sexto, bom, no sexto tudo se conjugou… Aquele segundo comprido foi de uma estética, verdade, valor, emoção e ética, incríveis. O toiro de praça a praça, o cavaleiro citou, o “Grandioso” partiu como um raio e o ferro foi cravado no alto do morrilho. Olé! Nos curtos provocou o toiro mais em curto, entrou por ele dentro, cravou ao piton contrário e recriou-se nos remates cheios de duende. Houve ladeios templados aproveitando o galope acompassado do de Teixeira, rematados por dentro como se de um capote se tratasse, toureio caro. Se tal segundo comprido foi enorme, no curto com que fechou a lide houve magia, deixando aquele sabor de boca para o voltar a ver e usufruir do seu toureio.

Nas pegas houve a sã rivalidade de vizinhos, Amadores do Montijo e de Alcochete que batiam palmas aos sérios e sempre exigentes Veiga Teixeira. Abriu praça o Cabo do grupo da terra José Pedro Suíças à primeira tentativa, citou com garbo, recebeu bem, suportou um derrote forte mas os ajudas entraram a tempo e foi consumada a sorte. Ricardo Parracho saltou para pegar o terceiro da tarde e teve que bater as palmas três vezes. Citou de largo, o toiro arrancou com raça mas o Ricardo não se fechou na cara e a pega não foi concretizada. Na segunda tentativa a reunião não foi perfeita o toiro derrotou desfeiteando o cara. Na terceira tentativa mais em curto, o forcado teve uma reunião mais eficiente, houve uma boa primeira ajuda e foi concretizada a pega. Hélio Lopes à segunda tentativa, na primeira o forcado não se sacou o suficiente, não mandando o suficiente na investida do castano, acabando por ser atropelado pelo toiro. Na segunda corrigiu os erros e a pega foi consumada.

Pelos Amadores de Alcochete abriu a tarde Henrique Teixeira Duarte à segunda tentativa. Na primeira tentativa o toiro, mais que investir, tentou colher com o corno direito, tirando o cara de má maneira. Na segunda tentativa o forcado mandou, encheu-lhe bem a cara e foi consumada uma boa pega. Daniel Ferraz foi o escolhido pelo cabo para pegar o quarto da tarde, o de Teixeira saiu com pata um tanto ou quanto solto quando o forcado o citava… o forcado meio surpreendido não lhe mandou o suficiente na investida, saindo maltratado nesta tentativa. Foi dobrado por Pedro Dias que mais duas vezes teve que lhe bater as palmas, o forcado teve sempre raça e decisão, estando valente, resolvendo o problema. Victor Marques foi o encarregue de fechar a tarde, o toiro não humilhava no momento da reunião metendo a cara por cima atropelando o Victor na primeira tentativa. A segunda o forcado esteve enorme a suportar vários derrotes mas cá atrás acabou por sair. A sorte foi consumada ao terceiro intento.

Dirigiu a corrida Lara Oliveira, sendo médico veterinário Jorge Moreira da Silva.

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