Ribeiro Telles – A continuidade da certeza

Crónica

Na próxima Sexta-Feira, Lisboa testemunhará um acontecimento difícil de igualar em qualquer outra manifestação de expressão cultural. Digo-o, porque apesar de haver artistas que de outros descendem, ou que o sendo, contribuem para que quem vem depois de si, o venha a ser também, nunca nenhum outro apelido esteve tão continuamente presente no “palco” como os Ribeiro Telles.

Dizê-lo não menospreza ou diminui qualquer outro dos muitos grandes nomes que há décadas ou mesmo no passado pisaram as nossas arenas.

No entanto, naquela que vai ser a sexta alternativa de cavaleiro profissional numa só família, e sendo a sexta, já se adivinha para muito breve uma sétima, não enfatizar o que tal significa para a tauromaquia, seria isso sim menosprezar toda uma História familiar que se confunde já com a História do nosso país.

Enquanto cavaleiros e pessoas, aqueles sobre quem hoje escrevo não necessitam de grandes descrições. Creio que a sua vida, a sua postura na vida, bem como a admiração que a esmagadora maioria dos aficionados por si tem, são suficientes para enaltecer o que a sua nobreza de carácter tantas vezes, quanto a mim erradamente, procura dissipar.

Sobre o Mestre David, que dizer?

Apenas que tal como muitos outros, dele tantas vezes me recordo, e que ao recordá-lo tanto me apetece abraçá-lo e voltar a ouvi-lo contar histórias passadas como só ele sabia. Ainda o vi vestir a casaca em Coruche, e mesmo já não o tendo visto tourear a cavalo, vi-o tourear milhares de vezes, do banco da sua carrinha, quando junto à praça da Torrinha, aos seus e a tantos outros, ensinava.

Ao Sr. João pai, baptizaram-no alguns de “Morante da Torrinha”.

Confesso que nunca gostei muito do paralelismo, mas percebo-o. Foi o toureiro mais artista que pelas nossas praças passou. Nunca foi de tourear 50 corridas por época, ou de sentir todo o tipo de toiro. Mas quando o universo que compreendia a sua inspiração, o seu toiro e o seu cavalo se alinhavam, “ai mãe”, cuidado com ele. Até o cravar do ferro era diferente. Outro perfume. O corte dos eleitos pela mão de Deus.

O Sr. António é de todos os Telles o mais valente.

Como em Coruche se diz, “teso como as armas”. Aos toiros que tantos outros desejam, nem sempre lhes passa grande cartucho, mas quando sai o toiro difícil, o que assusta, descompõe, e pode mandar um toureiro para casa, lá está o grande António. Puro, refinado, clássico. E ser clássico é ser o mais difícil, apenas e tão só porque não passa de moda. O Sr. António está acima das modas, e por isso já cumpre 40 anos sempre lá em cima.

Depois vieram o Manel e o Ginja.

O primeiro, um toureiro com um trago esquisito. Esquisito porque apenas sacia os mais exigentes paladares. Uma simbiose da sua personalidade pessoal, com alguns trejeitos que em certos filmes antigos vemos no seu avô e mesmo nos seus tios. Se na condução das montadas tanto procura a linha do tio António, ao citar o toiro ou a cravar, tanto lembra o Tio João. É diferente!

Por sua vez, o Ginja é de entre todos o mais guerreiro.

Não gosta de perder nem a feijões, e reúne a argúcia e finura do pai com o conhecimento dos toiros e dos terrenos do tio. É um predestinado. Um toureiro que cai bem numa linha de sensibilidade “sevilhista”, em que tão bom pode ser um ferro, como profundo um simples recorte a quarteio ou um desplante em violino. Único.

Dos mais novos, ao Tristão porque a juventude ainda é notória e o caminho a percorrer também algum, destaca-se já a entrega que se lhe sente quando põe o pé no estribo, e a vontade de continuar a honrar o nome que carrega, bem como o peso que isso significa. Será capaz de o fazer, e fá-lo-á muito bem. Tenho a certeza!

Por último, mas apenas último porque Sexta-Feira será o primeiro, o António filho é um caso.

Com 33 anos que já levo, vi muitos toureiros começarem, mas vi muito poucos chegarem à alternativa com um conceito e identidade toureira tão dento de si, definidas. O seu bem montar, o seu mandar na investida para conduzindo-a como quer, levar a deixar o toiro nos terrenos que elege, e depois se colocar na linha da verdade, cravando numa jurisdição perfeita, no sítio onde a sorte pesa e se alqueiram os grandes mestres, são coisas especiais! É uma estrela nascida! E vai brilhar como sempre todas as que fazendo parte sua constelação, antes de si, brilharam também!

Força António!

Ao olhares para a bancada ou para o céu, Sexta-Feira, estamos todos contigo!

 

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