Num momento em que muito se escreve e questiona sobre o tipo de toiro, apresentado nas praças portuguesas, não apenas quanto à sua morfologia, mas essencialmente quanto aos encastes e comportamentos que daí resultam para o espectáculo, trago à estampa deste artigo os quatro mandamentos que, independentemente do tipo de toiro, são, na minha opinião a base da pega: Citar, Carregar, Recuar e Reunir.
Abro um parêntesis para ressalvar que artigos de opinião são isso mesmo: textos que espelham a opinião de quem escreve, mesmo que, por vezes, quem o faz possa não ter a mínima noção do que escreve ou da sua execução prática. O que não invalida – felizmente, digo eu – a possibilidade de ter uma opinião e partilhá-la com os outros. Devemos apenas ter, nestes casos, bom senso e noção das capacidades próprias para falar de determinado assunto. Fecho parêntesis.
Normalmente aos “velhos do Restelo” costumam atribuir-se opiniões que se traduzem em frases como “no meu tempo é que era”. Considero que não pertenço ainda a esta classe, até porque o tempo não voa assim tão depressa.
É frequente no meio taurino, e da forcadagem em especial, assistirmos a comparações entre forcados, muitas vezes até de épocas diferentes. É certo que o fazemos também no desporto, quando comparamos Eusébio com Cristiano Ronaldo, por exemplo. Mas não podia estar em maior desacordo com comparações entre artistas de épocas tão distintas.
A aprendizagem adquirida durante décadas, a preparação psicológica e física que qualquer interveniente tem, hoje em dia, não permite fazer comparações com o passado sem que seja ponderado um conjunto de condições que influenciam a prestação dos executantes. Especialmente na tauromaquia quando o factor mais importante de tudo, o TOIRO, é hoje tão diferente do que o era há 20 anos.
Independente da opinião de cada um, o toiro é resultado da selecção que cada criador faz na sua ganadaria, da evolução do toureio e ainda daquilo que o grande público procura na tauromaquia. Hoje, temos com frequência, nas praças portuguesas, um toiro de maior porte, que humilha, menos pronto na saída, de cadência mais lenta e por vezes de “viagens por baixo”. Características que não são obrigatoriamente sinónimo de escassez de força.
Esta realidade obrigou o forcado a adaptar-se, ao longo dos tempos, às características dos toiros que lhes trouxeram um conjunto de vantagens mas também dificuldades diferentes. Ora vejamos: se um toiro vem numa cadência mais lenta, “obriga” o forcado a aguentar a investida, a ter maior noção da velocidade que o oponente traz e, consequentemente, a decidir quando inicia a marcha, “recuar”. Se humilha tanto, que investe junto ao chão, obriga o forcado a sentar-se (literalmente) no momento de reunião. Para os ajudas, este tipo de “viagens” é também uma maior dor-de-cabeça, pela dificuldade em ir “lá abaixo” executar a sua função e fechar em bloco.
Contudo na minha opinião, o toiro actual permite aos forcados evoluírem positivamente em vários aspectos, especialmente ao nível técnico. Hoje vemos, felizmente, na maioria dos grupos, um maior cuidado na preparação da pega e no cumprimento dos “tempos” essenciais: Citar, Carregar, Recuar e Reunir.
A pega não é agarrar o toiro pelos cornos. É muito mais do que isso. O forcado é um toureiro que faz do seu corpo a muleta. A forma como inicia as cortesias, como salta para a arena, como caminha e faz o brinde, em todos estes momentos o forcado deve empregar plasticidade aos pormenores, que quando bem-feitos (sem exageros e com naturalidade) são incontestavelmente “pormaiores”.
Através do Cite, o forcado tem a possibilidade de aplicar o seu cunho mais pessoal. É neste momento que, de forma mais ou menos expressiva, vinca a sua maneira de estar na arena, pela tranquilidade (ou falta dela) com que caminha, pelo timbre de voz, pela certeza e conhecimento com que pisa cada pedaço do terreno, transmitindo ao público o sinal de que é hora de se fazer silêncio e assistir ao momento único: a pega!
Seja nos terrenos do toiro, de maior compromisso, ou de largo, dando-lhe vantagem, como mandam as regras, o Carregar deve ser feito com determinação, sempre de frente, com o tronco direito, para facilitar o correcto início da marcha (recuar) e nunca com o tronco torcido ou próximo do joelho, como se vê com frequência. A expressão do toiro e a forma como está enquadrado e “metido” com o forcado são sinais para que não saia perdido e invista correctamente. É certo que, por vezes, há necessidade de “um aviso” nas tábuas, mas deve ser usado apenas como recurso.
Recuar é, dos quatro momentos, aquele que mais depende das características dos oponentes e aquele que mais reflecte a escola do grupo. Há quem recue mais ou menos, por hábito ou aprendizagem. Nenhuma é mais certa do que a outra. Até porque não há toiros iguais nem uma fórmula certa de se pegar. Cada toiro é um toiro.
Por educação taurina, entendo que é no recuar que se plasma o temple, a toureria, a capacidade técnica para tourear e trazer o toiro nas pontas dos pés até ao momento de reunir. É pelo menos assim que gosto de ver.
Reunir. A chave de tudo. O momento em que o forcado permite ao toiro “entrar” por ele adentro, para se fechar de pernas e braços, “tapando” a cara ao toiro e facilitando a entrada do Grupo.
É certo que da teoria à prática vai um longo caminho, mas existem exemplos disso no passado, assim como no presente, que marcam a diferença pela capacidade de executar com arte cada um destes passos.
Seja um forcado de agora ou de outros tempos, o que importa é que estes quatro mandamentos, quando bem executados, representam o apogeu da capacidade de gerir instintos, de premeditar e intentar o passo seguinte, de ler o toiro em milésimos de segundos e do conhecimento que se tem desta Arte: Pegar toiros!
Preserve-se e cultive-se a Arte, aprenda-se com os do passado e com os do presente, porque aos forcados de amanhã vão surgir novos e exigentes desafios, na certeza de que serão igualmente bons ou melhores do que os de hoje ou de ontem.
Nota: A escrita deste artigo não se encontra ao abrigo do novo acordo ortográfico.