Meu querido amigo “Pitó”, escrevo-te estas linhas de coração apertado e com um enorme sentimento de revolta… Ontem, pela primeira vez desde há 12 anos atrás, data em que deste a todo o Mundo Taurino uma derradeira lição de Generosidade, Entrega e Galhardia, esse mesmo mundo optou por ignorar-te, não permitindo que os teus colegas do Grupo de Vila Franca honrassem o teu nome como melhor o têm vindo a fazer, desde esse fatídico 16 de Agosto de 2002: em Praça, batendo as palmas a um Toiro e sempre contigo no pensamento…
É que sabes, desde então muita coisa mudou e a cara mais feia do “negócio” apoderou-se também da vida dos Grupos de Forcados, relegando para segundo plano (ou será para terceiro, último, ou mesmo plano nenhum?) os seus méritos e actuações nas arenas, substituindo-os por vergonhosos “jogos de bastidores”, e trocas de favores, que são agora, numa grande quantidade dos casos, os factores principais que definem as suas contratações. Fica assim em cheque a Figura do Forcado Amador, aquela da qual serás sempre um dos mais incontornáveis ícones, ao teres pago o mais alto dos preços na sua defesa e glorificação. Amador é o Forcado ou o Grupo que nada recebe, nada pede de volta e, muito menos, algo tem para “oferecer”, em troca de pôr a vida em risco em nome da Arte que representa e dos amigos que a seu lado se fardam. Mais do que isso, Amador é o Forcado e o Grupo que defende com unhas e dentes essa sua condição, recusando qualquer gratificação, para além das palmas, das flores e do jantar a seguir à Corrida e jamais rebaixando e humilhando o seu próprio estatuto, ao pactuar e até propor (!!!) “pagar” aqueles que o contratam, de forma a garantir o seu posto em qualquer Corrida… Imagino-te, estupefacto, zangado, mas acima de tudo muitíssimo triste e desiludido ao veres o ponto a que isto chegou… E talvez te questiones, como tantos de nós hoje em dia, se valeu a pena o teu sacrifício?…
Dir-me-ão, aqueles que beneficiam deste estado de coisas e que sempre tentam justificar o injustificável, a coberto dos seus próprios telhados de vidro que, do lado dos empresários é perfeitamente lícito que procurem ter presentes nas suas Praças os Grupos que mais público arrastam consigo e que, do lado dos Grupos é até de exaltar tudo fazerem para garantir a sua presença no maior número de festejos possível, precisamente porque o que mais querem é pegar toiros… Mas espero que o digam de olhos no chão e cara envergonhada, sabendo ambos perfeitamente que, numa Festa Digna, Honrada e com Verdade, a assistência se cativa e as contratações surgem única e exclusivamente pelos méritos dentro da arena e não porque o Grupo “X” assegura ao empresário “Y” a venda de uns quantos bilhetes para logo, quando o cornetim soa, “agarrarem” como bem podem os toiros, seja com oito, dez ou vinte elementos em Praça, numa imagem cada vez mais triste e comum, que a muito poucos parece incomodar. Enquanto isso, como sempre, são os espectadores pagantes que vão sendo gozados, convictos que estão os agentes da festa que estes até se emocionam mais quando lhes é oferecido o “espectáculo” da valente “sopa de corno” e dos “bonecos pelo ar”, por parte de “agrupamentos” absolutamente impreparados para enfrentar nem que seja um novilho com as mínimas condições de pujança. E é claro que, também como sempre, quando esses espectadores mais uma vez provarem que são bastante menos ingénuos e ignorantes do que os julgam, tudo vai depender da quantidade do mal que já estiver feito…
Até lá, verdadeiros Grupos de Forcados Amadores como o teu e um punhado mais, continuarão a sofrer estoicamente as injustiças de um sistema podre e viciado, com o fraco consolo de não se lhe vergarem e serem os últimos bastiões na intransigente defesa da sua Honra e dos seu pergaminhos, restando-lhes uma e outra vez, nas raras oportunidades que lhes vão dando, provar na Praça, frente a Toiros de verdade, o porquê da sua História, do seu Valor e da sua Arte…
Ao finalizar, vejo que talvez esteja incorrecta a pergunta que dá título a este texto… Não está, nem nunca estará em causa a tua Memória, incontornável e inborrável, terrivelmente escrita a letras de sangue na História da Tauromaquia. Questionemos sim, quanto valem a memória e a honra daqueles que de forma tão vil manejam os bastidores da nossa Festa, sendo que a culpa aqui não morre solteira, está tanto do lado de empresários como de certos Grupos de Forcados. A resposta, infelizmente, é tão imediata e simples, como triste: nada, não valem nada…
Recordo com dor as recentes palavras do teu Cabo: “(…)há muitos jogos de interesse e nós não temos nada para dar em troca, apenas um grupo de jovens que quer pegar touros e que se entrega a isto com paixão. É difícil superar-se.”
Pegar Toiros, com Entrega e com Paixão, mas também com muita Arte, Técnica, Valor e Alma (bem diferentes e superiores à simples coragem), o conjunto de características que distingue e define os grandes Grupos de Forcados Amadores… Qualidades que, até há bem pouco tempo, eram determinantes e suficientes nos momentos das contratações… Hoje outros valores (puramente monetários, bem entendido) se levantam…
Desculpa “Pitó”, que vergonha…
Diogo Câncio