Palha: exigência, dureza e bravura marcaram o Domingo de Feira em Vila Franca

Três quartos muito fortes de lotação preencheram a “Palha Blanco” no passado Domingo, 6 de Outubro, para assistir à primeira Corrida da tradicional Feira Anual, um festejo marcado pelas dificuldades e pela casta (na maior parte dos casos, defensiva) dos exemplares vindos da Herdade da Adema e pelo valor, decisão e recursos de quem lhes soube “plantar cara” com enorme mérito e emoção.

Um curro que fez jus à bem merecida fama do seu ferro, oscilando entre a mansidão orientada, áspera e complexa dos toiros saídos para a lide a pé e a bravura sem reservas dos lidados a cavalo, com destaque para o magnífico quarto da ordem, um “tio” que veio sempre em crescendo no seu comportamento, perseguindo e carregando sobre as montadas de Luís Rouxinol com verdadeira raça de bravo.

Frente a tal material o cavaleiro de Pegões agigantou-se e assinou uma grande lide, fazendo corresponder o seu poder e entrega à qualidade e exigência do oponente, cravando com verdade e aguentando com valor as impetuosas perseguições do Palha, num labor de verdadeiro Maestro, a quem os anos de alternativa parecem não pesar, mantendo intacto um enorme valor que, alicerçado na experiência e na qualidade técnica dos anos lhe permitiu triunfar sem reservas frente a um adversário que, por extremamente bravo, jamais foi fácil. Actuação para recordar, embora não terminada, pois, já na parte final, o toiro acusou um forte problema motor, sendo de imediato recolhido, sem ser pegado.

O quinto da função, embora não tão fogoso como o anterior, foi também bravo e permitiu, desta vez a Rouxinol Jr., desenhar uma lide “marca da casa”, alegre e efusiva, mas sem perder um ápice de seriedade, destacando-se a permanente ligação ao toiro, quer na brega, quer nos remates das sortes, executadas com critério e como mandam as regras. Pecou apenas por se estender em demasia, cravando um par de bandarilhas e ainda mais um curto finais, que em nada acrescentaram a uma actuação muito bem conseguida.

O primeiro Palha saído à arena nesta tarde, que estava reservado para a lide a duo entre pai e filho, acabou por se inutilizar ainda durante a cravagem dos ferros compridos, graças à infeliz intervenção de um bandarilheiro que, durante o momento da troca de montadas, decidiu chamar o toiro para tábuas, acabando este por partir um píton ao rematar contras as mesmas.

Posto o atrás descrito, o Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca de Xira acabou por apenas poder pegar um dos três exemplares que lhe estava destinado, o quinto, lidado por Luís Rouxinol Jr. Foi solista João Luz, desfeiteado de violenta maneira ao primeiro intento, devido a ter adiantado vincadamente as mãos no momento da reunião, erros que não costumam ser perdoados pelos duros Palhas. Corrigiu de forma soberba à segunda tentativa, recuando e reunindo na perfeição e suportando os dois ou três fortíssimos derrotes iniciais, com o Grupo atrás de si a corresponder de forma muito eficaz e decidida, destacando-se as intervenções do primeiro ajuda, Francisco Calçada, extremamente valente a “dar o corpo ao manifesto” e a conseguir acompanhar a viagem quase até ao fim e do terceiras ao meio, Marcelo Calçada, decisivo e muito oportuno a fechar e a compor o forcado da cara no momento em que junto às tábuas o toiro desviou a sua trajectória. Uma grade pega!

Na parte apeada os Palhas mostraram a sua cara mais dura e difícil, mas tiveram por diante dois Matadores que, embora com estilos completamente distintos, tiraram de recursos e muito valor para lhes plantarem batalha e sortearem investidas que, de forma geral, apresentaram em comum enormes problemas relacionados com a falta de recorrido e com a forma como protestavam e se revolviam no final dos passes.

Abriu a tarde, no segundo da função, o matador Vilafranquense Nuno Casquinha, que executou um vistoso e templado “recibo” por verónicas e esteve portentoso em bandarilhas. Na muleta quase não teve opções, face ao péssimo comportamento do adversário, em especial pelo píton direito, lado pelo qual acabaria por colher o toureiro de feia maneira. Faena essencialmente de muito valor, mérito e disposição e com aroma de toreria em alguns lances a dobrar e a castigar o toiro, única forma possível de lhe dar algum tipo de “festa”.

Seguiu-se Manuel Dias Gomes, enfrentando-se a outro exemplar da Adema que, embora não tão áspero como o anterior, tão pouco investia com a mínima profundidade, extremamente orientado e revolvendo-se num palmo de terreno no término de cada passe. O Matador, dono de uma maravilhosa estética e classe, deixou-nos alguns magníficos lances à verónica, de mãos baixas e figura muito relaxada e logo esteve muito inteligente numa faena de passes curtos, adequados às características do oponente, mas igualmente cheios de sabor e parcimónia, em que apenas pecou por se ter alongado em demasia. Destaque igualmente para um fabuloso tércio de bandarilhas protagonizado por João Ferreira e João Martins, também eles ex-alunos da Escola de Toureio José Falcão, à semelhança dos dois Matadores actuantes. Orgulho Vilafranquense, muito bem recordado pelo Manuel num sentido brinde a José Manuel Rainho, um dos grandes responsáveis e impulsionadores da Escola.

Nuno Casquinha voltou da enfermaria, nitidamente combalido e diminuído para ainda assim nos presentear com uma faena do seu cunho: garra, valor, exposição, técnica e decisão. O bem apresentado colorado recusava-se, à semelhança de toda a Corrida, a aprofundar as investidas, mas Casquinha, à base de muito porfiar, de uma excelente colocação e de um inesgotável “coração” conseguiu extrair-lhe duas ou três séries de derechazos de grande emoção, pela forma como quase todos intuímos que ali era essencialmente a vontade do toureio que estava a “empurrar” o toiro a ir onde nitidamente nunca quis. Pela esquerda era totalmente impossível. Uma tarde épica do Matador Vilafranquense, justamente reconhecida pelos seus conterrâneos em duas emocionantes voltas à arena!

Encerrou o festejo Dias Gomes, que pouco pôde apontar frente ao único exemplar que careceu da mínima dose de emoção, nem sequer pela via da mansidão encastada, ao contrário dos restantes irmãos de camada. Tem realmente o condão da sua enorme classe e naturalidade, pelo que tudo o que faz adquire sempre uma aura de beleza e difícil facilidade, pelo que conseguiu, ainda assim, presentear-nos com alguins momentos agradáveis.

Praça de Toiros “Palha Blanco”, Domingo de Feira de 2019, na Homenagem aos sessenta anos de alternativa do Maestro José Júlio houve toiros duros para Cavaleiros, Forcados e Toureiros Valentes! Um grande Olé por todos eles!

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