Os Grave, Moura Jr., Palha e um Borges marcam a noite Lisboeta

A Praça de Toiros do Campo Pequeno, um dos edifícios mais emblemáticos de Lisboa, como palco das mais diversas manifestações artísticas e culturais, mostrou quinta-feira à noite que é a maior catedral da tauromaquia em Portugal! O Campo Pequeno foi uma festa em que brilharam toiros, toureiros, forcados e o público, que mostrou a quem quer matar esta tradição cultural que as corridas de toiros são um dos maiores espetáculos populares desta Lisboa e deste País.
Dia 24 de Agosto o Campo Pequeno, viveu uma noite de bravura em vários sentidos… Grande entrada de público, três quartos de entrada, viveu a arte de criar o toiro bravo e encastado, viveu arte de bem tourear a cavalo e a mais genuínas forma de portugalidade a par do fado a arte de bem pegar toiros. Houve por lá algumas vicissitudes que poderiam ter condicionado o espectáculo, como a de um palerma que teima em querer ser protagonista… uma arena que não estava nas melhores condições no início do espectáculo ou o imprevisto de um toiro se ter desembolado durante a lide, mas isso são coisas secundárias, perante a bravura dos toiros de Galeana, um par de lides soberbas e umas quantas pegas emocionantes. Isso pouco interessa.

O toiro, na solidão do campo, é quando mais e melhor manifesta o seu poder e a sua beleza deslumbrante. Quis o ganadero Joaquim Grave apresentar a sua corrida com um escrito que descrevia cada um dos seus exemplares resenhados para a capital, também ele envolto lá na solidão da sua Galeana, solar dos Murteira Grave. E pouco falhou na sua descrição… Este Homem que ao longo dos anos se tem comprometido com o elemento básico do Festa, trabalhando arduamente com devoção, entusiasmo em busca da essência do toiro bravo: a bravura! Foi um dos grandes triunfadores da noite.
A corrida de Lisboa foi uma recompensa a todos esses anos de trabalho e acreditem eu conheço a pessoa em causa, Joaquim Grave no fim daquela noite era um homem emocionado, contente, de alguma forma recompensado pelo desempenho dos seus toiros na arena mas inquieto, já em busca de acrescentar mais alguma coisa ao seu toiro e com o sonho metido na mente… Enquanto sigam existindo no campo bravo toiros de sangue alborotada, e sonhadores de bravura de certeza que teremos Festa por muito tempo!
Toiros de triunfo, o segundo, quarto, quinto e sexto ofereceram em bandejas de prata a sua bravura a quem lhe esteve por diante e saísse de daquela praça com um triunfo nas mãos… Os que tiveram unhas tocaram guitarra… os outros… Uma corrida que ficará guardada na memória dos aficionados ao toiro!
Seis toiros mostrando poder, casta, bravura e nobreza (em distinto grau) Vamos lá então desgranar a sua apresentação e comportamento.
De nome Vulcão foi o primeiro, coincidência ou não… num 24 de Agosto segundo rezam os escritos foi erupção do Monte Vesúvio… Toiro grande, burraco de capa, bonito de cara, foi um toiro que quando acometia ao cavalo por diante tinha bom tranco, saia de todos o lados da praça mas que quando perseguia o cavalo teve pouca entrega. Foi o que menos gostei da noite.
O segundo era altivo, bonito, reunido, com cara. Toiro muito interessante com acometidas bravas, acudindo de largo e entregue, toiro bravo e vibrante.
O terceiro dava pelo nome de “Coiba” e foi este um “charuto” intenso, para “fumadores” muito experimentados. Toiro que não foi fácil, mas muito interessante! Pediu o bilhete de identidade a todos que teve por diante, pediu mando e como não o teve foi rei e senhor da arena.
De bandeira foi o quarto, toiro baixo, aberto de cara. Foi nobre, entregue, com tranco, disponível, metia a cara de maravilha. Teve direito a volta ao ruedo e o seu amo foi aclamado na volta à arena.
O quinto foi um dos que mais gostei e passo a explicar. Saiu meio distraído, depois do primeiro comprido meteu-se na lide e correspondia com vibração ao que lhe era pedido, metendo bem a cara nos capotes. Depois do primeiro curto caiu-lhe uma bola, regressou aos curros para ser embolado. Saiu novamente à arena depois de tudo o que lhe tinha acontecido e galopou com tranco, teve entrega, classe e veio a mais, para a pega saiu como um raio, bravo foi este “Lince”.
Fechou a corrida um toiro que se podia denominar como “artista”, tal foi a sua maneira de acometer ao cavalo e como investia nos capotes. Por falar em capotes um agradecimento ao Duarte Alegrete, que bonito foi ver a suavidade com que mexeu nas telas para embarcar e levar largo a investida deste Grave, recriando-se até com gostos nos lances que deu. Este “Taleguilla”, foi muito nobre, templado, quis mais que pode, teve o senão de não lhe abundarem as forças.

O toiro é quem deve marcar a pauta para se julgar o comportamento do toureiro e quinta-feira houve toiro! Vamos lá ao que se passou na arena com os cavaleiros e forcados.

João Moura Jr. voltava a Lisboa e Lisboa esperava por este cavaleiro com ânsia. João tem no Campo Pequeno uma das suas praças talismãs. Moura é um cavaleiro redundante, com aquela expressão estética, por vezes indiferente que imprime no seu toureio, por vezes de parece tornar o difícil fácil, mas também tem carácter e personalidade na arte que pratica. O Campo Pequeno foi testemunha nas suas duas lides destas facetas do seu toureio, na primeira lide houve um Moura muito estético e por vezes fazendo parecer o difícil fácil, na sua segunda lide houve a vontade, a ousadia, a personalidade e nasceu o triunfo.
Cravou dois bons compridos ao primeiro, lidou com alguma inquietude, a arena parecia estar meio escorregadia… Três de curtos de boa nota a deixar vir o toiro de largo, bons remates das sortes, lide a vir a mais e já com os acordes da banda a tocar. Eis se não quando um tal de Pedro, um palerma que teima em querer ser protagonista quis invadir a sagrada arena do Campo Pequeno com as suas pezunha de má índole… Reduzido brilhantemente pelas forças de autoridade presentes, todos esperávamos que Moura voltasse para rematar a sua lide. Mas a arena em mau estado e o acontecido fizeram com que Moura não voltasse, soube a pouco esta sua actuação, coisas de artistas…
No quarto da noite houve Moura por todos os lados da arena, lide em grande e público de pé! Dois compridos, grandes momentos de brega, levando o toiro prendido ao cavalo, sendo rematados com bonitos recortes toureiros, grandes ferros e um público entusiasmado com o visto. Trocou de montada, ladeou com arte, cravou um ferro por dentro de belo efeito e seguidamente deu-se uma explosão em Lisboa. Duas mourinas portentosas, magníficas, o cavaleiro citou encurtou os terrenos quanto bastasse, o toiro a sair com raça e o cavaleiro a cravar num palmo de terreno, rematando depois as sortes de maneira vibrante. Quis cravar a terceira, aí veio o arrojo do artista, uma rosa também executando a mesma sorte… não ficou à primeira mas ficou à segunda, grande lide!

Francisco Palha disse estou aqui com autoridade, mas com toreria e temple. O Francisco na arena é um espelho da sua alma e isso tem virtudes e defeitos e no Campo Pequeno o Francisco foi o Francisco nas suas duas lides. Um toureiro quando se liberta e abre a torneira da inspiração, faz emocionar como poucos artistas e a lide do primeiro toiro fez me emocionar! O seu feito foi instantâneo, surpreendente e fugaz esteve presente neste “quadro”… Talvez tenha sabido a pouco mas o que “escreveu” naquela arena foi muito bom. Uma porta gaiola superior, e o remate que se seguiu foi o prenúncio do que se ia passar na arena. Outro comprido, a deixar vir o toiro, a aguentar se seguiu. Os curtos, só foram três mas com uma intensidade, valor e querer que valeram por muitos. Citou de praça a praça, aguentou a acometida do Murteira que se arrancou pronto e num palmo de terreno cravou um grande curto, rematou a sorte levando o toiro embebido na montada. O segundo com os clarins da banda a soarem, foi estupendo novamente a citar de largo, o toiro partiu para comer e o Palha cravou ao estribo um dos ferros da noite. Olé! Um cavaleiro autoritário diante de um toiro altivo, vivia-se na praça com emoção esta actuação de dois bravos. Mais um curto, o terceiro novamente de praça a praça, o Francisco cita, o toiro arranca como um raio, com emoção o Francisco aguenta e quando teve o teve debaixo do braço cravou um ferro soberbo. Acabou por ali a lide, muita intensidade, casta, valor e raça.
No quinto houve a lide das duas partes… Uma antes do toiro se ter desembolado e a outra… Uma tira a abrir a função para ver as qualidades do Grave, mais um comprido de boa nota e um bom remate. Um bonito ladeio inicial para preparar o primeiro curto, remate por dentro para o deixar colocado, citou de largo o toiro acometeu com ímpeto e ao piton contrário foi cravado um grande ferro, no remate parece que obra por obra do diabo caiu a bola de um dos cornos do toiro… Uma pena tudo antevia que se ia viver um lide daquelas à Palha. O primeiro ferro da segunda parte da sua lide foi bom, grande preparação levando o toiro toureado no cavalo, citou em curto mas o ferro não ficou… Outro grande curto e mais um com ligeiro toque, foram o epílogo de uma obra descontínua por motivos alheios a cavaleiro e toiro.

O rejoneador Andrés Romero vinha a Lisboa depois de algumas passagens pela capital portuguesa de mérito e uma actuação triunfal em Madrid na semana passada. Havia expectativa em ver Romero e os Grave no Campo Pequeno depois de já se terem cruzado um par de vezes em praças alentejanas.
O seu primeiro foi um toiro com muitas teclas que tocar, pedia mando, equilíbrio na lide, as coisas bem feitas, coisas da bravura… Romero andou meio perdido, a importância da praça, um público que o observou com lupa e um toiro que não era nada fácil foram infelizmente o condimento para o de Huelva nunca se encontrar na arena Lisboeta. Muitos toques, algumas passagens e falso o lidar pouco o toiro fizeram que a sua actuação fosse pouco empolgante.
O sexto foi o bombom da corrida, templado, suave, com bom tranco. Romero cedo se precatou da condição do toiro e andou a gosto, mas um tanto ou quanto “atragantado”… Quis mostrar muita coisa em pouco tempo e o toiro o que pedia era temple e tempo… Grande foi a sorte de gaiola inicial, houve bons pormenores de brega, bons remates, e bons ferros, caso de segundo e terceiro. Lide com bons momentos de toureio mas que acabou por não ser redonda.

Escreveu um dia Eça de Queiroz nos Maias “O verdadeiro patriotismo, talvez – disse ele – seria, em lugar de corridas, fazer uma boa tourada… uma grande escola de força, de coragem e de destreza… Em Portugal não há instituição que tenha importância igual à tourada”.
Símbolo dessa importância referida em tal obra literária não são mais que os forcados o maior exemplo disso. Dois Grupos Alentejanos Montemor e Évora, que foi homenageado pelos seus 60 anos de existência, para desafiarem os Grave. Forcados e Grave são sempre uma emoção e expectativa maior para um cartel. Quem foi a Lisboa na passada quinta-feira viu verdadeiros pegões e saiu certamente satisfeito com o visto.
Há vários nomes a destacar entre os rapazes das jaquetas das ramagens, por exemplo o Ricardo Sousa do grupo de Évora, o António Pena Monteiro cado dos de Montemor, mas há outro Francisco Borges.
O Francisco Borges é um forcado do outro mundo, os anos passam, as mazelas são muitas mas a sua aficion, raça, ambição e determinação fazem dele um forcado diferente. O seu maior rival é ele próprio, em todas as pegas se quer superar e o que se viu em Lisboa é retrato disso. Esteve enorme este forcado de eleição. Olé!

Foi o Francisco que saltou para a cara do enorme burraco que saiu em primeiro lugar, o toiro chegou meio inteiro à pega, tinha poder e não se antevia pêra doce… O silêncio em Lisboa era sepulcral, o forcado citou devagar, bonito, deixou vir o toiro quando quis mandando na investida, reuniu na perfeição, o toiro quando sentiu o forcado meteu mudanças, derrotou com violência mas um querer desalmado faziam com que o Francisco ficasse na cara do toiro, o grupo tentou ajudar mas o Grave, derrotava e derrotava e num desses derrotes tirou o forcado da cara. Na segunda tentativa o silêncio voltou, o Francisco citou com toreria, mandou na investida, recebeu de forma soberba, aguentou derrotes, o Pena Monteiro nas primeiras ajudas esteve superior e uma pena monumental foi concretizada.
Vasco Ponce, citou de forma perfeita, carregou a sorte, trouxe o toiro toureado, reuniu bonito, suportou uns quantos derrotes, quase que o tiram da cara do toiro, o grupo ajudou e a pega foi consumada.
José Maria Cortes, bonito a citar, o toiro arranca de largo como uma flecha, humilhando muito, o forcado recebe bem, o grupo ajuda e foi assim consumada uma boa pega.

Pelo grupo de Évora Ricardo Sousa, citou, alegrou o toiro arrancou e num forte derrote para cima tirou o forcado da cara. Na segunda tentativa, esteve mais templado a citar, alegrou a investida ao toiro, este partiu, o forcado recebeu na perfeição fechado de pernas braços, a viagem foi longa o grupo cá atrás ajudou e foi assim consumada uma grande pega.
José Maria Passanha, citou com calma, sentou-se para receber na perfeição a humilhada investida do toiro, fechou-se, o grupo ajudou e a pega foi consumada à primeira tentativa.
José Maria Caeiro, cabo do grupo da capital alentejana, à segunda tentativa, o toiro menos pronto para a pega, pediu distâncias curtas. O Zé Maria esteve bem a citar, aguentou com raça estar à frente do toiro naqueles terrenos que pesam uma enormidade, sacou-se bem quando toiro se arrancou mas não teve uma reunião perfeita. Na segunda tentativa, novamente pisou terrenos de compromisso, citou com decisão, teve uma boa reunião e foi consumada a sorte.

Dirigiu a corrida Lara Oliveira, sendo o médico veterinário Jorge Moreira da Silva.

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