O último dos românticos

É com um certo sentimento de retração que escrevo estas linhas. Escrevê-las-ei ainda assim, porque aquilo que sentimos é o que sentimos e dificilmente alguém nos pode roubar o que nos vem dos confins do coração. Esta minha espécie de retração deve-se ao elevado grau emocional que me prende ao tema sob pena de me desfocar de algum racional que porventura estes assuntos também podem merecer. Eu, aqui, só “vejo” emoção. E é por isso que o considero o último dos românticos. Portanto, é também imbuída de uma boa dose de romantismo que escrevo sobre o forcado e é também por esta razão que o vejo efetivamente como o último dos românticos.

 

Importa aqui dizer que o romântico é quem ama, de paixão, sem saber o que recebe em troca. E, se fugirmos à aceção comum de romântico e nos voltarmos para o movimento literário do romantismo, no século XIX, sabemos que é por incondicional amor que vivem e é por puro amor que morrem. Todos passámos os olhos pelo “Amor de Perdição”, nos bancos de escola, para citar apenas um dos vários exemplos da literatura, e assim nos recordamos como os chamados “heróis” desta obra entregaram as suas vidas tão somente porque amavam.

 

É assim o forcado. Rege-se pela paixão de pegar touros. Um herói anónimo de quem nem o nome se sabe. Tantas vezes nem mesmo os aficionados, seguidores de corridas, habitués em praças grandes e pequenas os conhecem. Autênticos anónimos que encaram aquela tarefa como se mais nada houvesse neste mundo veloz, superficial e simplista, movidos por essa paixão séria e honrosa que se alimenta de adrenalina e que os leva para patamares que a razão não entende. Porque, em boa verdade, não há razão que o explique. O coração tem razões que a razão desconhece. Sabemo-lo. E é tão verdade no forcado.

 

Numa época em que o desapego social tomou conta da maioria dos valores que os forcados defendem – humildade, respeito pelo próximo, educação, dedicação aos outros, consideração pelos mais velhos, apreço pelo saber – são eles, para além de enormes heróis anónimos, casos isolados na sociedade portuguesa atual. Tal como alguém que não ama não consegue compreender o amor, também aquele que não é forcado não sabe entender porque é que se pegam touros. E o romantismo volta, também por isto, a falar mais alto. Entregam-se a esta paixão, por paixão.

 

Só que este é um romântico feliz, mesmo que os outros não aprovem, mesmo que outros não queiram, mesmo que os outros não gostem, mesmo que os outros os ignorem, mesmo que os outros os critiquem.

 

Como alguém disse «os preconceitos nascem do medo e da ignorância» e os forcados são também alvo de preconceito. Ainda assim, mantêm a sua determinação, mantêm o seu percurso de entrega humilde e ignota, sempre na senda do “seu amor”, da “sua paixão”, isenta de condições e de recompensas. Sem que razão o explique.

O forcado é mesmo o último dos românticos, nestes nossos tempos.

 

Artigos Similares

Destaques