No pampilho um estandarte, na ferradura uma pegada!

Crónica

Há dias queixava-me junto de amigos aficionados que me faltavam ideias de temas para escrever, parecendo-me inclusivamente mais difícil ter uma ideia do que expô-la.

Nesse mesmo serão, recebo uma fotografia que perpetuou o momento em que dois Campinos a cavalo lidavam a campo aberto, estando um deles a dar uma varada de frente a um imponente Toiro burraco.

O impacto que essa fotografia me causou levou-me a pensar escrever sobre o Campino e a simbiose com o cavalo, consciente das minhas limitações para a escrita, na esperança de honrar esta figura mítica que tanto aprecio!

“Distingue-os a garridice do traje de festa…e uma certa arrogância pimpona no olhar e na maneira de dar a saudação. De pampilho ao ombro ou em riste, como se caminhasse para um torneio de lança, o Campino transfigura-se. Nas manhãs de festa, quando o curro de Toiros vai para a corrida, entre bravuras e algazarras, é vê-lo e admira-lo a enquadrar os garbos dos últimos abencerragens da aristocracia rural.”

Estas palavras de Alves Redol constituem uma notável descrição do Campino, não obstante, na mente de qualquer aficionado ao Campo Bravo, a figura do Campino é indissociável do cavalo.

Sempre me recordo de ouvir dizer que o carácter dos animais é o reflexo da personalidade dos donos. De facto nos cavalos dos Campinos isso faz-se notar!

Creio que não fugirei à verdade se disser que a maioria dos cavalos destinados aos Campinos para desempenho do seu trabalho diário, eram e são animais de menor categoria produzidos nas casas agrícolas.

Este fenómeno dos cavalos dos Campinos parece ser mais uma prova da importância que a tauromaquia teve na criteriosa selecção morfo-funcional dos criadores de cavalos em Portugal.

Na vizinha Espanha, o habitual é verem-se usar cavalos de campo cruzados, com muito sangue árabe e inglês. A criação e utilização dessas finas jacas tres sangres deve-se ao facto de o cavalo peninsular espanhol em geral apresentar algumas limitações para as rigorosas faenas camperas com Gado Bravo.

Em Portugal, as casas agrícolas que associavam a criação de cavalos à ganadaria brava não parecem ter tido tanta necessidade de recorrer a cavalos tão “puxados ao sangue” na medida em que os cavalos Lusitanos conseguiam e conseguem desempenhar com grande eficiência todo o exigente trabalho de maneio de Gado Bravo. Este facto reflete bem a qualidade funcional do cavalo Lusitano!

De facto, quando somos confrontados com as descrições dos difíceis momentos que os valorosos Campinos passavam na imensa Lezíria, o encabrestar de uma perigosa rês tresmalhada, o suportar os longos percursos que se faziam com os Toiros ate as praças, etc. eram autênticas árduas provas de capacidades funcionais para os cavalos.

Nos dias de hoje os labores de campo não são exatamente os mesmos, extinguiram-se, por exemplo, a transumância das manadas e os extensos encerros e, em contrapartida surgiram os “tauródromos”, pistas onde se exercitam os Toiros correndo-os a cavalo e os enjaulamentos que implicam entrar em terrenos comprometidos, etc. E os cavalos Lusitanos continuam a dar excelente resposta às novas imposições.

Olhando para o Campino e para o seu cavalo, podemos orgulhar-nos da raça Lusitana. Claro que nem todos os cavalos são puros, mas muitos são e entre os restantes, não sendo puros, estão muito próximos do sangue Lusitano.

A mescla de humildade e vaidade, modéstia e galhardia, simplicidade e brio, tão próprias da figura do Campino, caracterizam também o seu cavalo.

Sereno, abnegado, rustico e com espirito de sacrifício, o cavalo do Campino é também resistente, forte, ágil, nobre e valente.

Tanto pernoita pastando desprovido de vaidade num cercado junto do jogo de cabrestos serenamente embalado pela melodia dos chocalhos, como faz as entradas de Toiros correndo-os com uma expressão tão vibrante quanto a garrida farda do Campino que o conduz.

Pode estabelecer-se um paralelismo entre o atrevimento do cavalo em enfrentar um Toiro numa picaria, empregando sobranceria e valor, dando sítio ao Campino para dar uma varada de frente e a altivez do Campino quando bate o fandango num orgulhoso “confronto” festivo e amistoso.

Dignos das grandes produções cinematográficas de Hollywood, quais cowboys do velho Oeste Americano, ainda persistem Campinos, cavalos e Toiros na pequena grande Nação Portuguesa.

Miguel Torga, na descrição do Ribatejo refere: “ Na articulação dos três lados do triângulo – Campino, cavalo e Toiro-, conjugam-se as últimas forças viris que restam a Portugal dos tempos livres da Criação…”

É nossa obrigação, de todos os amantes do campo e dos animais, particularmente do cavalo e do Toiro, preservar este abrangente património que congrega a herança genética de animais de características únicas como o Toiro Bravo e o cavalo Lusitano, criados com base nas condicionantes, necessidades, gostos e sentimento próprios de um povo e, por fim, todo um riquíssimo legado cultural, já que o Campino não é apenas um ícone do Ribatejo, mas sim um símbolo da Portugalidade, sendo uma verdadeira “faixa escarlate e briosa à cinta de Portugal”.

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