Há alguns anos atrás, era eu miúda, e por hábito ao fim de semana acompanhava o meu Pai nas voltas do campo. Claro que o meu programa preferido era o que incluía a visita à ganadaria, para vermos as vacas da manada e os respetivos bezerros do ano, os novilhos e por fim os toiros para as corridas. Observava e escutava atentamente os comentários e os apontamentos que o meu Pai fazia e sempre que era oportuno perguntava-lhe algumas curiosidades. Recordo-me de vários episódios em que ficámos inúmeras vezes atascados no campo, recolhendo material para fazer de base nas rodas nas tentativas infortuitas de sairmos dali, tendo depois de fazer caminhadas que pareciam não ter fim pelo campo fora e eu com medo que o gado bravo aparecesse por ali. Mas a alternativa era ficar no jeep sozinha e por isso preferia o sacrifício, pois na altura não havia forma de contacto imediato, para arranjarmos ajuda. Há medida que os anos passavam fui assumindo algumas tarefas, primeiro os apontamentos e registos do trabalho de seleção da ganadaria, segundo as diretivas do meu Pai e depois começando a participar a cavalo no maneio do gado. De vez em quando ouvia raspanetes por não ter atuado no tempo certo ou por ter pisado em demasia os terrenos da vaca encampanada, a sua exigência e em simultâneo o seu zelo pela minha segurança sempre imperaram naqueles momentos.
Nas tentas das nossas novilhas e dos potenciais sementais realizadas vários anos no tentadero de “ Oliveiras Irmãos” escutava atentamente as conversas entre os matadores, o meu Pai e o Urgel Oliveira, que de vez quando perguntavam a minha opinião e eu envergonhada lá dizia qualquer coisa. Nos meus 14 anos já tinha autorização para ir a cavalo apartar os toiros das largadas e os novilhos, mas os toiros das corridas do ano é que ficava sempre só para os homens, até ao dia em que houve falta de um cavaleiro e aí tiveram de contar comigo, e na verdade correu muito bem e a partir daí passei a ter autorização para participar em tudo.
Outra das tarefas que sempre me cativou foi a parte dos tratamentos curativos aos animais, que algumas vezes era executado pelo veterinário da exploração outra vezes era o meu Pai e/ou um dos funcionários lá de casa, que administravam diretamente o tratamento prescrito. Foi uma das tarefas que também me foi incumbida mais tarde, e na verdade recordo me ainda hoje de um semental Oliveira Irmãos, o Guitarrero, que após a sua lide na corrida de toiros, começou em nossa casa a ser tratado de 3 em 3 dias na manga de maneio, para administrarmos antibiótico e desinfetar as feridas. Para isso o convencionado era imobilizar o animal com uma corda nos cornos num dos compartimentos da manga, para trabalharmos em segurança. Só que este toiro marcou pela diferença, pois após o 2º tratamento verificámos que o toiro manifestava uma tal nobreza que entrava na manga, calmamente a passo, assim que se abria a porta, e mantinha se no compartimento imobilizado durante o tratamento sem termos de recorrer às cordas, etc….simplesmente extraordinário.
Os anos passaram, até que certo dia o meu Pai começou a perguntar-me a opinião sobre o comportamento das novilhas das tentas e quais as que aprovaria para futuras mães reprodutoras ou não, e a trocarmos opiniões sobre o comportamento dos toiros dos lidados nas corridas e na escolha do toiro para os concursos de ganadarias. De repente, percebi que afinal a minha opinião já tinha voz e participação ativa na ganadaria. Ao longo destes anos fui absorvendo de uma vivência e dos conhecimentos de todos os homens com que me cruzei nestas lides, pois poucas foram as mulheres. Lembro-me, porém, da da Srª D. Mimi Cabral Ascenção que me ensinou pormenores na seleção das fêmeas, e na verdade hoje sei fazer de tudo um pouco com estes animais excepto toureá-los.
Concluo que, neste mundo da tauromaquia aprendi a respeitar o Toiro e afirmei me como pessoa que sou hoje, e aprendi a dar-me ao respeito perante os homens desta Festa Brava.
Raquel Núncio Fragoso Rodrigues de Carvalho
Licenciada em Engenharia Agronómica- Produção Animal, sócia da empresa Florestas Sustentáveis, Lda e gestora de explorações agro-florestais.