Comecemos pelos factos… Saíram os cartéis da tradicional Feira de Outubro para a rua e a estupefacção foi geral quando se verificou que, num total de treze toiros que viriam a ser lidados, dez pertenciam à mesma ganadaria (Santa Maria), ainda para mais sem nenhum prestigio especial ou triunfos de relevância acumulados nos últimos tempos. Os rumores e conjecturas rapidamente cresceram, dando-se a entender que era quase certo o aproveitamento à última hora de um curro de toiros proveniente da corrida cancelada no Campo Pequeno, cujo principal argumento para a empresa da “Palha Blanco” se adivinhava ser, acima de qualquer outro, o “preço de saldo”.
Paulo Pessoa de Carvalho, empresário (cessante, assim o esperamos) do importante tauródromo, num pequeno e raro momento de sinceridade, declarava em entrevista ao site “Toureio.pt”, publicada a 28 de Setembro (5 dias antes da primeira corrida de Feira): “A ganadaria em causa tinha um curro perfeito (Nota: Defina-nos perfeito Sr. Empresário, por favor!!!), o qual com a anulação da corrida de Setembro do Campo Pequeno ficou disponível e nesse sentido não houve que hesitar! É a ganadaria certa na data certa (…).” De forma bastante menos sincera, dir-se-ia até que absolutamente desavergonhada, como os factos ontem ocorridos o comprovaram referiu ainda que “há como sempre um respeito pelos artistas mas acima de tudo terá de haver pelo público (…). Estas ganadarias reuniam o que se pretendia, apresentação, trapio e condições de lide à partida (…).”.
Mais factos: dos seis toiros do curro “perfeito” de Santa Maria que se apresentaram para sorteio, três foram rejeitados, um por não cumprir a idade regulamentar para Praças de primeira categoria (mais de 4 e menos de 6 anos), e dois por não cumprirem o peso mínimo (450kgs), igualmente para Praças da mesma categoria. Consulte-se sobre o assunto o Decreto-Lei nº89/2014 de 11 de Junho, que instaura o Regulamento de Espectáculos Tauromáquicos (RET) actualmente em vigor, no Capítulo VI, Secção II, artigo 33º, alínea a). Assim sendo, do ferro inicialmente anunciado, restaram três exemplares, dois de apresentação absolutamente banal, face à importância e exigência da Praça e da data (500kgs e 540kgs) e uma “espécie de vaca”, absolutamente vergonhosa, cujos 490kgs anunciados (e eu sou daqueles que não confunde trapio com quilos) terão sido pesados, certamente, com um ou dois irmãos de camada em cima. Como “cereja no topo do bolo”, em substituição foram aprovados dois “novilhos” de Passanha com 470Kgs, e um animal que, com os seus 550Kgs, musculados e sérios e um pouco mais de cara conseguiu finalmente merecer o epíteto de Toiro! Para esta AUTÊNTICA VERGONHA, além da desfaçatez, falta de honra e seriedade do empresário, contribuiu igualmente a mais que provável complacência dos Delegados Técnicos Tauromáquicos nomeados para este espectáculo, nomeadamente do Médico Veterinário já que o RET, no nº2 da alínea f) do Artigo 40º, Secção II menciona claramente que a “deficiente apresentação” (sic) é motivo suficiente para a “rejeição de reses para o espectáculo”. E em relação à apresentação, ou falta dela, de três dos “novilhos” lidados o público de Vila Franca foi absolutamente claro, audível e unânime, na forma como se sentiu intrujado e revoltado com o que lhe foi “vendido”. Conviria que o IGAC, nas pessoas dos seus Delegados Técnicos Tauromáquicos, se lembrasse que a sua principal função não é a de policiar os espectadores nem os pequenos detalhes burocráticos, mas sim a de defender a integridade e a seriedade do espectáculo, garantindo assim um dos principais direitos do público, soberano e pagante!
“Pagante”, uma expressão que me merece menção a um derradeiro e igualmente relevante facto (obtido através das consultas dos preçários relativos à Corrida de 1/05/2016, de 2/07/2017 e 3/10/2017): com excepção das Bancadas Altas do Sector 1 e 3 (mesmo no caso da primeira encontramos o “delicioso” pormenor de que os bilhetes para jovens foram aumentados em 5€) e no espaço de pouco mais de um ano o preço de TODOS os bilhetes para a “Palha Blanco” subiu, na sua grande maioria em mais 10€ (há casos em que o aumento foi de 15€ – barreiras- e outros de “apenas” 5€ e 7,50€), em algumas situações, mais do que uma vez (os preços do Sector 1, da barreira até à fila 8, por exemplo, “conseguiram” aumentar outros 10€ entre a Corrida do Colete Encarnado deste ano e esta Terça-Feira Nocturna). A grande “desculpa” apresentada para este brutal incremento foi o “cachet” a pagar ao matador espanhol José Juan Padilla, por ocasião da sua actuação no passado Colete Encarnado, tendo só faltado esclarecer, pelos vistos, que tal incremento se iria reflectir durante as restantes corridas da temporada. Talvez então se pudesse ter poupado um pouco na contratação de um nome ilustre para acautelar e assegurar a qualidade e a dignidade daqueles que são, esses sim, o verdadeiro pilar da Festa, ainda para mais numa Praça como a de Vila Franca: os Toiros Bravos, com presença e trapio!!!
Esta seria uma crónica sobre a Corrida de ontem e perdoem-me aqueles que nela não encontrarão nem resquícios de uma descrição detalhada daquilo que sucedeu, no que diz respeito aos elementos actuantes (António Ribeiro Telles, Manuel Telles Bastos e João Ribeiro Telles, com a actuação a solo do Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca de Xira), mas acontece que quando não existe o menor interesse, por quem de direito, em garantir a integridade e a qualidade desse actor principal que é o Toiro, tudo o que dele diante se faça acaba por, de forma injusta, é certo, perder o seu brilho e a revolta pela forma como nos sentimos enganados e “espoliados” acaba por falar mais alto.
Não posso deixar de referir os Amadores de Vila Franca e em particular o Tiago Oliveira “Salsa” que ontem se despediu, após uma brilhante carreira ao serviço do seu Grupo, os quais, numa data sempre tão especial mereciam mais, muito mais. Fica o consolo de que as grandes instituições permanecem (o Grupo, a Praça, a Feira, Vila Franca e o seu público) e que outras Terças-Nocturnas virão, desvanecendo-se a pouco e pouco nos recantos da memória que ninguém recordará, todos aqueles que mais não fizeram do que tentar aproveitar-se delas.
Não só em Vila Franca, como em todas as Praças, a Afición merece e exige respeito!