Cartel agradável o idealizado pela empresa, neste 30 de Setembro de 2018, para a comemoração do 117º Aniversário da castiça “Palha Blanco”, o qual ficou desde logo marcado negativamente pela fraca resposta de público (um terço de entrada pobre), numa Terra que deseja e presume ser um dos bastiões da Corrida Mista em Portugal. Para além disso, o bom trabalho na confeccção da Corrida esfumou-se por completo face ao curro de toiros eleito, da Ganadaria de David Ribeiro Telles, a grande maioria muito por baixo do trapio exigido pela afición Vilafranquense, com triste destaque para o sexto da ordem, lidado por João Ribeiro Telles Jr., verdadeiramente inapresentável e ruidosamente protestado e para três dos corridos na lide a pé, extremamente pobres de cara, no que à córnea disse respeito. E, como à ausência de seriedade se aliou a falta geral de qualidade, poder e bravura, o espectáculo resultou, no mínimo, morno, com alguns fogachos aqui e ali, mas muito aquém do esperado. Já diz o velho provérbio: “Sem Toiro não há Festa”!
Dos exemplares lidados a cavalo, destaque para o segundo do lote de João Moura Jr., um colorado imponente e precioso que, embora não sendo bravo de verdade, transmitiu ímpeto e poder nas suas arrancadas, sérias e com intenção de verdadeiramente colher o que tinha por diante. Motivou, de resto, uma exageradíssima volta à Praça por parte dos Ganaderos. Frente a tal material, Moura Jr. assinou uma muito boa lide, entendendo o toiro na perfeição e cravando com extrema verdade e risco, começando desde logo no segundo comprido, saindo junto a terrenos de tábuas, de muito compromisso. Igualmente impressionante foi o terceiro curto, com o toiro a perseguir o cavalo, dando uma meia volta junto às tábuas e encontrando-se de imediato na cara do oponente para protagonizar um grande momento. As restantes três bandarilhas (até nesse aspecto esteve bem, dosificando na perfeição) primaram pelos cites de Praça a Praça, encurtando terrenos a pouco e pouco, face às acometidas tardas do oponente e aguentando até ao limite as arrancadas violentas, para resolver as sortes com apenas ligeiras batidas, cravando ao estribo e com pureza. Excelente actuação do cavaleiro de Monforte. No seu primeiro, uma autêntica “tourinha” murubeña, muito pobre de cara, que ainda para mais saiu claramente diminuído, ainda tentou os habituais “números” de brega a ladear, ocorrendo ao Director atribuir música, de pronto interrompida pelos assobios do público, recordando que Vila Franca não alinha por este tipo de “toureio”. Lá está, aqui leva-se à séria o “Sem Toiro, não há Festa”.
João Telles Jr. enfrentou-se a um lote sem as mínimas condições de apresentação e bravura, frente ao qual muito pouco pôde fazer. O primeiro, extremamente bisco e pobre de cara, teve alguns arremedos iniciais que rapidamente se diluíram, ao acusar fraqueza de mãos, ainda mais pronunciada quando o cavaleiro o obrigava a responder a batidas excessivamente pronunciadas, fazendo-o perder qualquer possibilidade de investida. Destaque para uma boa quarta bandarilha, entrando com verdade, face à forma descarada como o toiro se atravessou. O seu segundo foi uma autêntica “vaca” sem o mínimo de cara e escorridíssimo de carnes que desatou a ira do respeitável. Conseguiu, em cima disso, aliar uma total ausência de raça e de força, pelo que, apesar das coisas bem feitas, a lide não transcendeu minimamente. “Sem Toiro”…
No capítulo dos Homens das Jaquetas, o Grupo de Santarém assinou duas pegas ao primeiro intento, iniciadas por António Goes, a quem bastou não complicar, frente a uma verdadeira “cadeirinha” e a segunda, num dos mais emocionantes momentos da tarde, tendo como solista António Taurino, que se enfrentou ao tal sério colorado, entrando-lhe nos terrenos de forma muito serena, permanecendo no cite durante o tempo que considerou necessário, fixando o adversário, para logo se “trancar” que nem uma lapa, suportando uma viagem muito violenta, com o toiro inclusivamente a voltar ligeiramente atrás, mas prontamente ajudado pelo Grupo, embora parecesse que não haveria derrote capaz de desfeitear o Forcado.
Pelo Grupo de Vila Franca abriu Praça Pedro Silva, que só à terceira, com uma boa primeira-ajuda de Francisco Calçada, logrou o êxito. Nas duas primeiras tentativas, fruto da falta de córnea do exemplar de David Ribeiro Telles e dos fortes derrotes laterais que aplicava, nunca se consegui fixar verdadeiramente na cara, faltando quiçá recuar um pouco mais, retirando alguma aspereza ao derrote inicial. Frente à tal “vaca”, que se arrancou num chouto incómodo e difícil, David Moreira esteve sem mácula a alegrar e trazer o adversário toureado, suportando um forte primeiro derrote, que lhe lançou as pernas para o lado e contando com uma oportuna ajuda de Ivo Carvalho, suficiente para que a viagem seguisse sem mais sobressaltos.
No que diz respeito ao toureio a pé, dois factores condicionaram bastante as actuações dos Matadores actuantes: o vento que soprou muito forte e constante e a falta de emoção e seriedade dada por três toiros com muito pouca córnea, ainda que considerando ser esta uma Corrida em Portugal. Na “Palha Blanco” exige-se e espera-se muito mais e um animal bravo quase desprovido das suas principais defesas é um atentado à ética e uma triste imagem de ser contemplada, que a ninguém deveria agradar. Curiosamente (ou talvez não) poucos ou nenhuns protestos despertou a apresentação destes exemplares.
A exemplificar o atrás dito, o primeiro da ordem apeada, lidado por António João Ferreira, não lograva que os cornos lhe ultrapassassem o comprimento do focinho e, independentemente da emoção que transmitiu nas investidas e do bem que o Matador Escalabitano esteve com ele, na primeira série de derechazos, profunda, entregue e assentada, ensinando-o e convencendo-o sobre qual o caminho da investida e em alguns naturais soberbos, a mim a faena “não me chegou”. E lá me ocorreu outra vez o provérbio… O sétimo da tarde, segundo para António João, foi um colorado precioso de “hechuras”, não fosse novamente a pouca cara, que acusou sinais de mansidão logo desde o capote, saindo solto e de cara alta das sortes. Com a muleta apontou um remate desmaiado belíssimo, no final da primeira série pela direita e demonstrou intenção nos cites pela esquerda, com empaque e parcimónia, mas permitindo demasiados toques no “pano”, o que potenciou ainda mais a condição de manso do oponente. Destaque para a brega e dois grande pares de bandarilhas do seu irmão.
Foi também com as bandarilhas que brilhou a grande altura Nuno Casquinha, no segundo par ao seu primeiro e no par inicial do segundo, ambos cravados como mandam os canônes, ganhando a cara e deixando os ferros perfeitamente enquadrado entre os pítons. Nas lides de muleta transmitiu firmeza e decisão, tendo de sortear as mansas investidas do seu primeiro (pequenote e, mais uma vez, pobre por diante), com destaque para uma série pela direita, a obrigar autenticamente o toiro a investir em redondo, quando nada o indicava já ser possível. O Toiro que encerrou a tarde, desta vez verdadeiramente digno desse nome, por presença e seriedade, transmitiu e repetiu com entrega e codícia nos primeiros momentos, aproveitados pelo Matador Vilafranquense nos “toureiros” passes iniciais de joelho flectido e em duas séries com a mão destra, templadas, profundas e encaixadas. Após esses belos momentos, o David Ribeiro Telles “cantou a galinha” e já pouco houve a fazer, tendo prolongado desnecessariamente a actuação.
Merece destaque a variedade e a competição nos quites de capote, onde se viveram alguns dos mais interessantes momentos da Corrida. Ficaram na retina uma verónica e uma fantástica “meia” de António João ao seu primeiro oponente, devidamente replicadas com uma série de gaoneras, por parte de Casquinha, uma delas, lenta e de mãos baixas, de muito belo efeito, às quais respondeu “Tó-Jó” com um ajustado e emocionante quite por gaoneras.
No final ficou-me a clara convicção que a Honorável “Palha Blanco”, comemorando 117 Primaveras, teria merecido melhores e maiores prendas… Repitam todos comigo: “Sem Toiro não há Festa!”