Barquinha com bom ambiente!

Vila Nova da Barquinha – 2 de Agosto’2024, às 22 horas – Corrida à Portuguesa. Cavaleiros: João Moura Caetano, Duarte Pinto e o rejoneador mexicano Emiliano Gamero; Forcados: Amadores da Moita, de Tomar e de Azambuja; Ganadarias: São Martinho e Paulo Caetano; Director: Prof. Marcos Gomes; Médico-Veterinário: Dr. José Luís Cruz; Tempo: Ameno; Público: Meia Casa Forte.

O tauródromo da Barquinha – um dos mais antigos do nosso país – tem vindo a beneficiar de visíveis melhoramentos, mau grado que a sua estrutura construtiva mantenha algumas singularidades, nomeadamente a porta de entrada dos toureiros e dos cavalos para a arena, o que sempre gera alguma confusão entre os artistas actuantes. Mas, a praça está mais bonita e cuidada!

A noite arrefeceu, na linha da elevada amplitude térmica que é típica desta região ribatejana, mas o ambiente na arena nem por isso, especialmente no momento das pegas, duras e difíceis frente aos toiros de São Martinho.

Se o cronista for muito exigente e evocar os tempos da sua juventude, terá necessariamente de fazer um balanço muito crítico ao que lhe foi dado apreciar, para mais actuando dois toureiros de dinastia, cujos patriarcas até estavam na trincheira. Que saudades dos tempos de Emídio Pinto e de Paulo Caetano…

Mas, os tempos são outros e, por isso, deveremos mudar a lente e ligar menos a detalhes e pormenores técnicos, que outrora eram naturalmente “pormaiores” essenciais do toureio à portuguesa… E depois há a novidade mexicana de Emiliano Gamero, que provoca grande alarido entre o “respeitável público” – como se diria em termos circenses! – mesmo que do tudo que faça em praça pouco se possa dizer que seja toureio. Questão de conceitos, ou da falta deles.

A mim, o Senhor Gamero não me agrada e muito menos me convence, entristecendo-me que fiquem na bancada, ou em casa, tantos marialvas que toureiam bem, e que sejam preteridos por este senhor que monta o seu “show acrobático” e faz rir a malta… e como é a malta que paga, está tudo bem. Todavia, eu não vou a uma praça de toiros para me rir!

Poderemos dizer que a corrida, muito longa e por vezes entediante, teve duas partes distintas, muito em função das ganadarias lidadas, complicados os toiros de São Martinho saídos à arena na primeira parte, e mais lidáveis os de Paulo Caetano, que substituíram três reses da ganadaria anunciada, que saíram bem, pelo que o próprio ganadeiro deu volta à arena após a lide do último toiro da noite.

João Moura Caetano esteve digno frente a um toiro complicado, que andava, mas se adiantava, talvez por falta de mando do marialva alentejano, o que originou algumas passagens em falso e alguns ferros falhados, porém manda a justiça que se diga que o seu labor foi positivo. Frente ao segundo do seu lote, Moura Caetano andou mais a gosto, elegeu melhor os terrenos para cada sorte e, privilegiando os cites frontais carregados ao piton contrário, colocou vistosa ferragem, que o público aplaudiu calorosamente.

Duarte Pinto, honrando a mestria de seu pai, que foi grande figura do toureio, apresenta um toureio clássico, citando de poder a poder, dando a primazia de investida aos seus oponentes, e vai recto à cara do toiro para colocar a ferragem em sortes cingidas e superiormente rematadas. Não foi exactamente isto que fez desta feita na Barquinha, cravando a ferragem comprida em sortes à tira, “arredondadas”, sem cites e sem rectidão. Evolução no conceito? Talvez… Nos curtos andou mais consentâneo com o seu estilo pessoal, embora sem o rigor habitual. E, neste aspecto, andou muito bem, porque as lides devem adequar-se às características de cada toiro, o que exige uma certa flexibilidade do próprio cavaleiro, que não pode, ou não deve, aplicar as mesmas soluções técnicas e artísticas a toiros diferentes. Colocou certeira ferragem, que o público aplaudiu, e brilhou frente ao bom toiro de Paulo Caetano.

Emiliano Gamero tem uma noção de espectáculo muito bem elaborada e, assim, sabe bem o que deve fazer para agradar ao público, que na sua maioria não é muito conhecedor de toureio nem muito exigente tecnicamente. Vai aos toiros para se divertir e para manter a tradição. E a estes até admito que Gamero agrade, mas aos outros… Com desenvoltura movimentou-se na arena e despachou a ferragem como conseguiu, espalhando alguns ferros no chão e outros no toiro, exigindo excessiva intervenção dos bandarilheiros que lidam o toiro, colocando-o nos terrenos mais adequados para que o rejoneador possa cravar os ferros. Entretanto, mais umas acrobacias, mais uns desplantes e siga a música. De toda a sua actuação, em que lidou dois dos toiros mais manejáveis, retenho dois ou três ferros curtos em sortes interessantes, e pouco mais. Emiliano Gamero torna-se um caso de estudo sobretudo pelo número de corridas que faz em cada temporada, o que terá decerto uma justificação plausível, mas não quero ir por aí, pois essa não é a função do cronista.

A noite antevia-se dura e complicada para os rapazes das jaquetas de ramagens e não frustrou as expectativas, pois os toiros saíram duros e a exigir que estivessem na sua cara forcados muito experientes e tecnicamente bem preparados para superar as esperadas dificuldades. Melhores uns do que outros, mas todos dignos e empenhados lá solveram os respectivos compromissos.

Pelos Amadores da Moita foram solistas João César e Luís Chatinho que consumaram as respectivas sortes ao primeiro intento, com eficaz e coesa ajuda do Grupo, o que tornou mais fácil o que se previa difícil. Os Amadores de Tomar passaram maiores apertos, em certa medida por culpa própria, pois faltou decisão e empenho nas ajudas. O primeiro toiro do seu lote foi pegado de cernelha por João Marramaque e Ismael, em sorte pouco ortodoxa, mas a salvar a honra do convento, depois de João Alves ter sido desfeiteado em três valorosas tentativas, onde faltou a ajuda necessária, e o quinto toiro da ordem foi pegado por Carlos Duarte, na sua única tentativa, a dobrar Joaquim Calado que foi derrotado nas suas duas tentativas. O Grupo de Azambuja abriu a sua função com uma rija pega do forcado João Paulo Branco, que nesta noite se despediu das arenas após uma digna carreira, e que logrou consumar com competência e determinação uma boa pega ao primeiro intento, com boa intervenção das ajudas, que lhe valeu o prémio em disputa, que, contudo, não recebeu por haver sido transportado ao hospital para observação. O último toiro foi pegado à segunda tentativa por Rúben Branco, que se fechou bem e foi bem ajudado.

As quadrilhas tiveram noite afanosa, pois intervieram demasiado durante as lides, a despropósito no meu ponto de vista, posto que lhes compete apenas coadjuvar as lides, e não lidar os toiros, que essa é a função dos cabeças de cartaz. Singularidades da nossa tauromaquia actual.

A corrida foi bem dirigida pelo Delegado Técnico Tauromáquico Prof. Marco Gomes, assessorado pelo Dr. José Luís Cruz, sendo ponderado na condução dos incidentes ao nível das pegas e tendo até decidido bem por uma breve suspensão da corrida – apesar de já ir tão longa – devido à falta de ambulâncias no recinto, posto que tinham seguido para o hospital transportando alguns forcados lesionados.

Pese embora o facto de a corrida ter tido uma duração superior a três horas e dos aspectos menos agradáveis técnica e artisticamente que se registaram, o povo saiu satisfeito da praça, por isso venha a próxima, lá para Setembro.

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