Praça: Mourão
Data: 4 de Fev 2018
Espadas: “Cuqui de Utrera”, Curro Díaz, “El Cid, José Garrido, Manuel Dias Gomes e Joaquin Galdós.
Toiros/Novilhos: Murteira Grave
Lotação: 3/4 Forte
Em tarde de sol, mas de algum vento e muito frio realizou-se o segundo festival da 3.ª Feira Taurina da Senhora das Candeias, na castiça Praça de Mourão que, tradicionalmente, marca o arranque da temporada portuguesa.
Considerando o magnífico cartel apresentado era grande a esperança de que muitos motivos viessem a existir para aplaudir com força os intervenientes e assim poder espantar um pouco o inclemente frio alentejano e a verdade é que, embora não tenha sido um festejo que decorreu de forma completamente triunfal, muitos motivos existiram para manter vivo o interesse do aficionado durante toda a tarde.
Frente a um curro de novilhos de Murteira Grave que deu, no geral, um jogo um pouco abaixo do esperado, bastante condicionados pela falta de forças e, consequentemente, pelas dificuldades em alargarem as investidas frente às telas, destacou-se Manuel Jesus “El Cid”, na faena mais completa da tarde e ficaram igualmente na retina alguns maravilhosos momentos de toureio de capote, a cargo de “Cuqui de Utrera”, Curro Diaz e Manuel Dias Gomes. Destaque também para a actuação de “Cuqui” no excelente novilho “de regalo” que saltou em sétimo lugar, plena de personalidade e sabor “campero”.
O mesmo “Cuqui” abriu a tarde, frente a um novilho que acusou brusquidão e falta de forças. logo desde o recebimento no capote, defeitos que talvez tenham sido mais visíveis pela forma extremamente fechada “em tábuas”, como foi lanceado de início. A faena de muleta, brindada ao Eng. Joaquim Grave, mentor desta magnifica mini-feira taurina, foi muito prejudicada pelo vento que se fazia sentir, complicando ainda mais o mando nas investidas, já de si difíceis. Deixou-nos alguns naturais, derechazos e adornos soltos de boa nota, mas nunca conseguiu verdadeiramente sobrepor-se às dificuldades climatéricas e do oponente. O melhor estaria ainda por vir…
Curro Diaz é um toureiro de acusada personalidade, com uma estética que, ora é de arrebato, ora de relaxamento total, não deixando ninguém indiferente. Ainda está por terminar a extraordinária “meia” de remate à série de grandes verónicas com que recebeu o colaborador novilho de Grave, que saiu quiçá demasiado débil de um início de muleta genuflexo excessivamente castigador. Apagou-se pronto o pupilo de “Galeana”, o que não foi obstáculo para uma faena plena de detalhes e “pintureria”, em que a estética foi o pilar fundamental e que permitiu os primeiros merecidos (para o toureiro e para o enregelado público) aquecimentos de mãos. Ser diferente é, no mundo dos toiros, como na vida, meio caminho andado para o destaque…
E se de diferenças falamos, “El Cid” marcou as suas com uma postura pausada, templada e cadenciosa, que impôs com maestria a um oponente que, nas suas mãos, acabou por se entregar, permitindo extraordinárias séries de naturais e passes de peito de “cabo a rabo”, finalizando, inclusive, por se prestar ao luzimento pelo lado direito, onde acusou grande tendência para se colar nas investidas iniciais, fruto da inteligente colocação da muleta, ligeiramente ao olho contrário, por parte do matador. Na maravilhosa pracita de de Mourão, onde tão perto nos encontramos da arena foi um verdadeiro prazer disfrutar do temple, das pausas, do mando e da sabedoria do matador sevilhano, que foi justamente premiado com duas voltas. Em Maestro!
José Garrido pratica um toureio puro e sem concessões, com uma estética barroca que nasce da sua entrega e verdade. Lamentavelmente, não encontrou material para se expressar em plenitude e pouco mais nos pode deixar do que um ramalhete de harmónicas “chicuelinas” e uma primeira série genuflexa com a muleta, rematada com um grande passe pela esquerda, argumentos suficientes para que lhe fosse concedida uma muito benevolente volta.
Manuel Dias Gomes encontrou um novilho que denotou, por vezes, bastante qualidade e humilhação, mas, à semelhança dos restantes irmãos, justo de forças e transmissão. Ficou na retina uma magnífica sequência de verónicas, de mãos extremamente baixas, rematadas de forma inspirada e “pinturera”, seguida de um ajustado e tranquilo quite por gaoneras. Na muleta, destaque para duas excelentes séries pela esquerda, a aproveitar algumas viagens francas e humilhadas do oponente, que pouco mais permitiu ao nosso matador. Voltou, no entanto, a deixar constância da sua personalidade, sólida e serena, que continua a augurar-lhe um bom futuro.
Em sexto lugar apresentou-se Joaquín Galdós, para quem saiu o mais sério exemplar da tarde, brusco e com complicações, ao qual o matador peruano “deu a volta”, mais à base de ganas e entrega do que de recursos técnicos e toureio sólido. É certo que o material tão pouco era apropriado para um toureio de outros quilates e não nos podemos igualmente esquecer da “verdura” do jovem matador, pelo que é de saudar a vontade de agradar e ficamos com a interrogação de o ver noutras condições.
E, teoricamente, a agradável tarde estaria terminada por ali, não fosse “Cuqui de Utrera” ter solicitado autorização para sair a tourear mais um novilho e em boa hora o fez, dando ao festejo um final condizente com a sua categoria, a solera da praça e as ganas de toiros do público presente. O burraco de Murteira Grave (praticamente não falham estes!) foi excelente e permitiu ao veterano matador explanar todo seu conceito de toureio, à vez simples e “pinturero”, profundo e de “chispazos”, de onde se desprende um intenso sabor campestre, sem falsos artifícios, simples, verdadeiro, que nasce da terra, como se num qualquer tentadero a campo aberto estivéssemos… Às verónicas abandonadas, puras, de capote recolhido, rematadas por duas “meias” de cartel de toiros (até Curro Diaz “aproveitou” para “pegar” duas após um quite a um bandarilheiro), seguiram-se umas chicuelinas, mais barrocas e luminosas, que antecederam o simpático brinde a todos os alternantes. A faena de muleta, sem ser compacta e perfeita, teve detalhes de grande “toreria” e inspiração, uma enorme série pela esquerda, dois “trincherazos” de pintura e, sobretudo, todo aquele empaque e ambiente de um toureio cujo grande conteúdo nasce precisamente da sua enorme simplicidade e “nudez”. Foi um excelente final de uma tarde muito agradável que, no fundo, acabou por roçar a perfeição para aqueles que nela procuraram apenas o primeiro e simpático aperitivo com que matar a “fome” do defeso e abrir expectativas, ânsias e ilusões para mais uma temporada de toiros.
Nesse sentido, estão sem dúvida de parabéns todos os intervenientes, sendo da mais elementar justiça homenagear uma organização que todos os anos logra montar cartéis de verdadeira categoria, numa das praças com mais sabor do país. Obrigado a todos, obrigado Dr. Joaquim Grave!