Um manancial de bravura para o sonho de um toureiro

Apoteose, é a palavra que pode descrever a encerrona de Marcos Bastinhas ontem em Elvas na homenagem que quis prestar a seu pai. A aposta era arriscada, seis toiros que acabaram por ser sete porque o cavaleiro quis oferecer ao público a lide do sobrero e praça cheia. Foi uma aposta ganha!
Esta coisa de um toureiro se empenhar em tourear seis toiros de uma assentada, parte daquela memorável corrida que protagonizou Joselito o Gallo em Madrid em 1914, quando matou sem quase se despentear, de sete toiros de Martinez e triunfou. Uma ecerrona é, enfrentar voluntariamente um risco três vezes maior ao habitual, para o qual, têm que se fazer maior esforço físico e moral, mostrar qualidades e aptidões acrescidas, a fim de obter com isso benefícios, gloria e proveito e existiu acima de tudo glória nesta noite de Elvas.
Abriu a noite no capitulo dos toiros um profundo, rematado e musculado de Veiga Teixeira, toiro com mais virtudes que defeitos. Foi nobre, teve som a perseguir, por diante pedia distâncias curtas, não sendo muito pronto nas acometidas ao cavalo e por vezes esperava no momento do ferro.
O segundo era um cardeno claro, quase ensabanado de Murteira Grave que dava pelo nome de “Meloso”, bonito de tipo e cara. Foi um toiro de bandeira, bravo a acometer ao cavalo com alegria de praça a praça, perseguindo depois dos ferros com vibração, casta e raça, meteu bem a cara nos capotes e arrancou com alegria para o forcado. Bonita homenagem deste toiro a Joaquim Bastinhas, que com 116 toiros lidados, foi até aos dias de hoje aquele que mais toiros de Galeana lidou na historia da ganadaria.
O terceiro foi um toiro grande, comprido de Romão Tenório. Toiro de templadas investidas, a perseguir e acometer ao cavalo com nobreza.
O quarto foi um Passanha, bonito de cara, baixo e com bom tipo. Foi um toiro que precisava de ligação, teve nobreza, meteu bem a cara nos capotes, arrancou bonito para a pega.
O quinto foi de Varela Crujo, um taco, foi um manso encastado, vindo a mais com o decorrer da lide, teve mobilidade.
O sexto um castanho forte de Rodolfo Proença, sério, foi reservado e não foi fácil. O sobrero de “regalo” que fez sétimo também da ganadaria Proença foi complicado, sendo um toiro que teve mobilidade mas pouca classe, não era claro no momento do ferro derrotando por cima.
Nisto do toureio há uma coisa meridianamente clara: quando coincidem numa praça um toiro bravo e um toureiro que sabe e quer tourear, produz-se aquele “chispazo” milagroso que acende a arte e a emoção do toureio e foi o que aconteceu na lide do segundo toiro da noite. E começo pela lide do segundo porque foi, a lide!! A emoção extravasou fronteiras, o público não perdeu pitada do que se passava entre toiro e toureiro… O Marcos foi buscar o Murteira à porta dos curros para o trazer embebido na rabada do cavalo, depois cravou dois monumentais compridos de praça a praça, aproveitando a acometida larga do toiro. Cravou mais três grandes e emocionantes curtos também eles de praça a praça, rematando os mesmos brilhantismo, público de pé e rendido a esta actuação e a este toiro. Ontem nesta lide, houve emoção, arte e bravura e sinal disso foi a clamorosa volta à praça que deram a ganadera Joana Grave, o Marcos e o forcado António Machado. Olé!
Se a emoção chega por impulsos. O temple, chega por momentos e foi isso que aconteceu na lide do terceiro toiro! Foi bonito ver os ladeios e recortes templados, as abordagens suaves para cravar com classe grandes ferros. Outra grande lide do Marcos na noite de Elvas.
No primeiro da noite um bom toiro Teixeira, Marcos construiu uma lide de menos a mais, foi uma lide de descomprimir tensões e aquecer motores ao máximo. Foi uma lide brindada aquele falava com naturalidade, com elegância, com graça que era valente e toureiro como poucos, foi uma lide brindada aos céus, a Mestre Bastinhas. Marcos, andou autoritário, mandão, profundo, encastado e a dizer ao que vinha. Bem nos compridos,excelente na brega, cravando bons ferros. Rematou a lide com duas mourinas e um par de bandarilhas para jubilo do público.
A abrir a segunda parte veio uma lide mais morna, mas também ela boa, usufruiu da nobreza do Passanha para cravar bons ferros, desenvolvendo bonita brega e aproveitar para respirar um pouco da exuberante primeira parte.
No quinto compartilhou lide com Tiago Pamplona que estava de “sobressaliente”, lide movimentada, com ritmo, em que houve sortes variadas que foram e de que maneira do agrado do simpático público elvense.
O sexto foi difícil e Marcos deu-lhe a lide adequada, abriu com uma vibrante porta gaiola, e cravou os curtos da ordem com acerto e sem se deixar intimidar pelo toiro, dando-lhe a volta com sabedoria.
No sobrero que ofereceu ao público, voltou andar decidido, bem na brega, cravando bons ferros, em emotivas abordagens ao toiro e rematando a sua actuação com dois pares de bandarilhas marca da casa, a levantar o público das bancadas.
No final das sete lides Marcos Bastinhas foi passeado em ombros pela arena do Coliseu de Elvas.
A noite também era de compromisso para os Académicos de Elvas que se encerravam com esta corrida em solitário e foi uma grande noite de pegas!
Esta era uma corrida especial, pois era a homenagem a um homem que tanto deu ao grupo e a Elvas, homenagear a sua forma de estar, a sua humildade e a generosidade que sempre teve independentemente de quem fosse.
Abriu praça Paulo Barradas e fez uma belíssima pega. Calmo, seguro, confiante. Bem colocado o toiro, falou bem, mandou, enrolou-se na cara do toiro sem mais descolar, com vontade para não mais sair, aguentando alguns derrotes, bem o grupo a ajudar com destaque para o primeiro ajuda.
António Machado fez tudo bem feito, deu vantagens, falou e mandou, provocando uma boa e brava investida, aguentando e recuando o suficiente para reunir em condições de se fechar bem, resultou numa pega muito bem conseguida e muito bem ajudada.
Foi chamado para a cara do terceiro  o forcado Tomás Silva, parou-se na reunião na primeira tentativa o que fez com que esta fosse violenta e consequente despejo, na segunda o toiro entrou forte, o forcado vinha na cara mas as ajudas não foram eficientes, à terceira concretizou uma boa pega.
João Pedro Restolho à primeira tentativa, com o toiro a arrancar de largo, fez tudo bem feito, teve uma reunião perfeita e contou ainda com uma boa primeira.
Gonçalo Machado, à barbela numa boa pega à primeira tentativa, com o grupo a ajudar de forma eficiente.
O sexto foi a “fava” da corrida, toiro senhor de derrotes violentos e a despejar, foram três as vezes que o cabo Luís Machado lhe bateu as palmas com galhardia, na primeira os derrotes foram violentos, com o toiro no chão a sovar quem lhe aparecia por diante. Na segunda novamente derrotes fortíssimos a tirar o forcado, à terceira foi resolvido o problema com valentia por parte do forcado da cara e grupo.
Fechou a noite João Bandeira teve uma reunião difícil, mas nem isso, nem os muitos derrotes que o toiro deu foram suficientes para ultrapassar a enorme vontade que o João teve de ficar na cara do toiro e consumar a pega à primeira tentativa.
Dirigiu a corrida com brilhantismo Marco Gomes, assessorado pelo médico veterinário José Miguel Guerra.

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