O galho dos pássaros

Crónica

Poisou-me agora um pássaro à janela e não imaginam a inveja que me fez. Veio de onde lhe apeteceu e chegou só porque quis. Vinha sem máscara nem nada. Olhou-me nos olhos, petulante e voou sem dar cavaco à DGS. Foi ali poisar noutro beiral antes de voar p’ra onde a vista não alcança, que nestes tempos bastam três quarteirões para se perder o olhar.

 

Sempre quis ser um pássaro. Sempre lhes ansiei o equilíbrio nos fios, os voos rasantes e a alegria das manhãs. Sempre lhes desejei a pouca importância que a tudo dão, bastando-lhes um bater de asas para levarem a vida para outro poiso.

Hoje invejo-os mais. Invejo-os tanto que, uma noite destes dias de clausura, me fiz melro num sonho, abri a janela e abalei p’ra outro telhado. Não sei bem onde fui porque a memória ficou a ver-me da varanda e o olhar não lhe vai além do fim da rua.

– Talvez fosse bom ser gaivota.

Estão duas ali ao fundo que parecem indecisas no destino a tomar. O tempo não lhes pede decisões. Está sisudo e calado, atrás de um jornal alto e quer apenas que o deixem estar. As gaivotas que façam o que quiserem, mas que em silêncio, que o tempo hoje não está para festas e grasnares. Eu vou-lhes tomando notas ao rumo e pensando que se fosse eu, ali dentro daquelas penas todas, não andava para ali em bolandas tontas e ao menos havia de ir ao peixe.

 

Mas não é o mar que me falta – ainda o oiço e cheiro daqui de onde estou.

 

Talvez se fosse pardal não me faltasse o bando, como me falta. Falta-me o chilreio, falta-me aquele amontoado unido com quem se partilham galhos e céus, com quem se vagueia sem aparente sentido, como aquelas gaivotas que ainda agora desdenhei.

Falta-me a tremocilha e a sombra dos sobreiros. E a largueza dos campos e das horas. Faltam-me os chocalhos ao longe, o relinchar dos poldros e o trote dos toiros na sua finita paciência. Como gostava de ali assentar patas e, mudo e quedo, com um valor de Ojeda, pôr-me entre os pitons de um cuatreño e sentir-lhe o soprar. Oh…como queria ser carraceiro…

Mas ciúmes? Ciúmes tenho das andorinhas maestrantes. Daquelas que cantam as faenas em Sevilha. Não há silêncios sem olés seus, nem a banda toca sem lhes tomar o tom, nem a Porta do Príncipe se abre sem o seu acordo. Quanto dava para trazer a primavera nas asas e assentá-la naquelas arcadas até que o último Miura tombasse na arena a um Domingo de Farolillos…

Ah…quem me dera voltar a esse melro que sonhei ser e a memória perdeu de vista….quem me dera esse horizonte, quem me dera esse voar…

Com tanto céu e liberdade, há-de estar em Vila Franca, à espera que toque para as cortesias.

 

Ilustração – Joaquim Pedro Quintela

 

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